sábado, outubro 28, 2006

ECOS DO PASSADO


Hoje revi um amigo de longa data. Há anos que não nos viamos e ambos olhamos com curiosidade o passar do tempo nos rostos um do outro;
Os cabelos onde a "prata" já deixa marcas, as rugas que vão pintando os contornos das faces outrora lisas, frescas e jovens, os óculos encarrapitados no nariz para ler as malfadas letrinhas miudas que sempre se lembram de colocar em tudo o que temos que ler. Bem, isto para não falar nas encantadoras pregas ao redor da cintura e que se tentam disfarçar das mais variadas maneiras e...Sem resultados significativos claro!
Mas dizia eu, revi um amigo, alguém que marcou a minha vida e deixou um rasto indelével; Foi meu colega de liceu e como tantos (já naquela altura havia muitas situações encobertas) entrou pelo mundo da droga, era um aluno brilhante, raro era não arrancar ás garras dos professores mais "forretas" uns 18 ou 19, merecidamente conseguidos. acho que em linguagem moderna se diz que «era um cromo», no meu tempo cromos coleccionavam-se e havia alguns lindos, mas está bem, eu já estou um bocadinho "cota", isto pega-se!!! Mas voltando ao Francisco, fazia parte do nosso grupo de estudo, era calado, introvertido, mas amigo de ajudar e, de todos nós, talvez fosse o que mais se sabia dar aos outros, era alto e esguio com uns olhos de veludo quase negros. Um dia chegou a uma aula de Português a cambalear e eram apenas 8.30h da manhã, olhos injectados de sangue, cabelo em desalinho, roupa as três pancadas, nada do Xico que conheciamos. Pediu licença e entrou aos tropeções, foi sentar-se ao meu lado como de costume. Fiquei a olhar para ele com cara de parva, porque aquilo não fazia sentido, quem era aquele perssonagem que estava ali de sorriso alvar nos lábios, num mundo extra, fora de toda a realidade, sem se aperceber de uma turma inteira (incluindo a professora) que o mirava incredula? Já não me lembro de como decorreu o resto da aula, mas lembro-me do episódio que se seguiu.
Saimos da aula e logo rodeamos o Xico que não dizia coisa com coisa, tentamos saber o que se tinha passado mas sem resultado. De repente sem que ninguém se apercebesse ele dá um passo em frente em direcção a mim de mãos abertas e prende-me pelo pescoço. Aqueles olhos normalmente doces, macios que pareciam sempre humidos e meigos eram agora dois lagos de sangue, vitreos sem vida ou expressão, prendi-lhe as mãos com força e num sussurro apenas lhe disse; "Xico! Nâo." Desfaleceu-me nos braços e foi levado para o hospital quase em coma.
Quando nos foi permitido fomos vê-lo, ainda internado, e deparei-me com um farrapo de 16 anos numa cama onde quase nem volume fazia, a mãe, impotente, a seu lado pegava-lhe na mão ossuda e esqualida e derramava sobre ela catadupas de lágrimas que nenhumde nós conseguia conter ou acalmar. Um dia em que fui sozinha ouvi um apelo da boca dele corrobrado pela mãe que jamais esqueci em todos estes anos; "Mami- era assim que me tratava sempre, ajuda-me a viver, não te afastes e dá-me a mão."
Durante 5 longos anos lutamos os três com tudo o que tinhamos e não tinhamos, ele a mãe e eu. Depois a vida acabou por nos separar ele continuou a singrar aos poucos, caindo umas vezes outras aguentado bem sem tombar, eu mudei de residencia e se bem que tivesse mantido o contacto a vida sempre acaba por nos impor o seu ritmo e distancias. Há um mês recebi uma chamada e uma voz que já mal me recordava disse um, Olá Mami! Que me pareceu vir de outro planeta...
Hoje estivemos juntos, e adorei rever o nosso Xico. A vida deixou marcas feias, tanto fisicas como psiquicas, os olhos hoje são um mundo perdido sem brilho, as mãos tremem, e a pele esmaecida mostra um envelhecimento precoce, mas a voz, aquela voz de tons quentes e graves, aquele timbre de doação e humildade estão lá. Casou, nunca mais tocou em drogas, conseguiu arranjar e manter o seu emprego, acabou por se formar e hoje, à sua eterna e introvertida maneira é feliz. Veio, delicadamente, trazer-me uma rosa rubra, a que me tinha prometido entregar no dia em que tivesse atingido a meta que ambos tinhamos imposto - Curar-se e ser feliz.
A ti meu querido e doce AMIGO, OBRIGADA pela lição de vida que me deste e pelo cumprimento da nossa promessa. Ter-te como amigo e "mano" é unico, como sempre foi. Que Deus te guie sempre.

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As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...