quarta-feira, outubro 31, 2007

NOTAS SOLTAS II

...Um sorriso imenso e doce inundava-lhe então o rosto moreno, os olhos tomavam a profundidade de mil lagos e enchiam-se de uma ternura sem par, puxava-a meigamente para o seu lado sentando-a nos joelhos e iniciava um novo trecho com ela presa no seu pescoço e a cabeça reclinada no seu ombro. Invariavelmente a música cessava e apenas o crepitar do grosso toro de madeira na lareira se ouvia, a noite terminava com os murmúrios fracos e o riso breve enquanto ele a carregava nos braços escada acima. Mas esses doces momentos tinham tido um fim abrupto e rude nas falésias assassinas no Inverno anterior. Agora voltavam as angustias das noites sem fim, do cadeirão vazio e das chamas sem brilho, voltava o aguilhão imenso da saudade, da ausência, do vazio, do rosto sereno e perdido nas noites longas e aconchegantes de inverno, porque sentiria tanto a sua ausência no inverno?
Enquanto os pensamentos deambulavam perdidos na dor da perca e na angústia da solidão, as mãos não paravam o seu incansável ardor sobre as teclas, acariciando aqui, martelando além, num vai e vem constante. Mal dera pela entrada de Alberto e não fora o ligeiro latido do cão a saída teria sido tão desapercebida como a entrada. Calou-se o som e estacaram os passos do velho criado, que lentamente vira o rosto para o piano à espera da reprimenda, mas é recebido com um sorriso apagado e sem cor, e as palavras vindas do fundo de uma alma desesperada; - “Porquê Alberto? Porquê? Está tudo tão morto ao meu redor!!!”
Sem esperar por este desabafo, e sem saber muito bem como, encaminha-se para o piano e coloca-se ao lado de Armando pousando a mão ossuda e marcada pelos anos sobre o ombro enquanto lhe responde; - “Porque a felicidade não é eterna, é apenas feita de pequenos pedaços espalhados pelas nossas vidas senhor. A D. Helena foi um pedaço dela, mas mais, dentro em breve virão, tenho fé e esperança que sim, esta casa não pode morrer assim.” – Dito isto deu um leve palmadinha no ombro do jovem amo e encaminhou-se para fora do salão. De novo o silencio apenas quebrado pelo vento mais forte e o marulhar das águas agitadas na apertada praia, o olhar vai pousar no cadeirão vago e a mente atraiçoa-o uma vez mais, de novo o corpo flexível e esbelto de Helena se enrola encolhendo-se no aconchego do tecido escuro, a sua maneira especial de olhar para ele e ao mesmo tempo aquele etéreo pairar sobre tudo como se não pertencesse em boa verdade a este mundo, parecia tão despegada do mundo por vezes, e no entanto a sua atenção era minuciosa e sempre desperta, sabia quando ele a olhava e como olhava, sabia se estava bem ou mal, calmo ou irritado, triste ou alegre ainda que o seu rosto mostrasse a impenetrabilidade dos rochedos que os rodeavam. Fora uma mulher especial! E era esse vazio que lhe tolhia o coração, a alma e vida. Desde a sua morte cessara quase por completo as suas actividades e nos primeiros tempos só o encontravam sentado no penedo de onde Helena caíra, absorto, alheado de tudo e todos, de olhos perdidos ora no horizonte ora nas rochas no fundo da falésia. Aos poucos a actividade profissional reclamava por atenção e a vida tinha que continuar e passados três meses voltou ao escritório onde a acumulação de serviço não lhe deu tempo para grandes pensamentos e exigiu a máxima capacidade de resposta e resolução. Agora, um ano volvido, a vida decorria a ritmo lento e sem cor, mas dentro da normalidade, não foram os momentos de dor profunda e desespero vincado que o assolavam e deixavam sem norte nem rumo e tudo, aparentemente, estava normal.

No meio do silêncio quase sepulcral eleva-se de repente um travar brusco de um rodado de pneus com um chiar pavoroso de travões, o Labrador ladra furiosamente, saltando como um louco de encontro a janela e Armando estremece como se uma corrente o tivesse subitamente atravessado. Levanta-se de um salto e esbarra com Alberto que corre para a rua com uma lanterna em direcção ao final da estrada, Como é possível que alguém se tenha aventurado por uma estrada bem sinalizada de “sem saída”, numa noite como aquela? Não teria visto os diversos sinais? Estranho. Quase impossível!
Ambos correm apressadamente para o local com o cão a saltar ao seu lado, sem parar de ladrar. Mesmo sobre a laje grande onde tantas vezes uma mesa e duas cadeiras haviam estado para desfrutarem um por do sol frente a um refrescante sumo de frutas, está agora um carro com uma das rodas perigosamente fora da rocha e em equilíbrio instável. Faróis acesos e um vulto imóvel, estático lá dentro no lugar do condutor, a cabeça descaída sobre o volante escondido o rosto por uns longos cabelos anelados. Segurando o cão pela coleira e estranhado a imobilidade da mulher, Armando tenta abrir a porta do carro, que oscila perigosamente, fazendo-o avançar com extremo cuidado para tentar retirar a rapariga sem que o veículo se precipite talude abaixo arrastando mais uma vida consigo.
Alberto segura a lanterna e o cachorro que furioso não cessa de ladrar. Ao puxar devagar o corpo inerte descai sobre o seu ombro uma cabeça em sangue que jorra de um golpe profundo na testa mesmo sobre o sobrolho, a custo consegue tira-la sem que o carro se despenhe e carregando-a nos braços apressam-se para casa deixando para depois as preocupações com a viatura que fica mansamente a oscilar sem saber se tombe para a frente e acabe de uma vez com a vida, ou se se agarre ao que resta e se imobilize sobre a laje.
Chegados a casa Alberto afadiga-se em trazer para a saleta o estojo dos primeiros socorros e Armando de pousa a sua carga na chaise longue, vendo pela primeira vez à luz o rosto desfigurado da rapariga. Limpam a ferida e pensam-na, mas é em vão que tentam despertar aquele corpo que não parece querer regressar ao mundo dos vivos. Umas olheiras profundas cercam os olhos cerrados, os lábios estão apertados numa linha fina e arroxeada, e as mãos finas e quase transparentes pendem sem graça ao lado de um corpo elegantemente vestido, de formas graciosas. Os pés estão calçados com uns sapatos confortáveis sem contudo perderem o seu quê de elegância e bom gosto. Mas traze-la de novo à vida é que maugrado de ambos não conseguem.
Aquecem-se botijas, acende-se a lareira e cobre-se a moço com uma manta quente e felpuda, e só algum tempo depois uma ténue cor volta ao rosto, as mãos se agitam e o corpo se distende em vários espasmos. Aos pouco vai voltando a si, sem contudo se aperceber bem do que a rodeia nem do que se passou...

(continua...)

sábado, outubro 27, 2007

NOTAS SOLTAS

As notas ecoavam tristes e melancólicas na noite fria, A janela aberta de par em par sobre o jardim cuidadosamente tratado deixava entrar a brisa fria de Outono alto adivinhando já uma invernia dura. Insensíveis ao frio as mãos percorriam seguras o teclado gasto do “amigo” eterno e sempre presente, o piano. Mais ao fundo, como que a acompanhar a música suave e triste, o rugido do mar de encontro às falésias abruptas e cortantes, dava ao quadro um tom funesto e pungente que invadiam o espaço negro da noite.
Alto, trigueiro, na casa dos 40, de compleição mediana e olhos amendoados, de um negro profundo, as mãos esguias e nervosas, e o rosto de traços correctos e algo duros, os cabelos anelados tão negros como os olhos, a boca apertada num rito de dor, tinha a doçura de um beijo, quando se descontraía, o que não era de momento o caso. Mais parecia um traço desenhado por um breve tira linhas, ou finíssimo pincel de um Miguel Ângelo. O seu olhar perdido algures pelo salão, não olhava as teclas que ia ferindo de manso e arrancando delas toda a dor que na alma lhe ia.
O Labrador dormia enroscado perto dos seus pés, e de quando em vez levantava a meiga cabeça e olhava o dono com uns olhos de quem pede que a dor acalme e por fim se perca no tempo que tudo leva e desvanece. Os pesados reposteiros de um grenat escuro com pequenas flores de liz em doirado mais parecendo minúsculas estrelas aliviando o peso da noite ondulavam com vigor e o ambiente foi ficando cada vez mais gelado, mas sempre as mãos compridas e seguras dedilhavam sem parar, saltando, parando, pressionando.
O velho criado veio sem ruído fechar as altas janelas, a medo, como sempre acontecia a cada noite de tempestade na costa e no coração destroçado do seu amo. Não seria a primeira vez que era quase escorraçado do salão, por se ter atrevido a entrar e dispersa-lo dos seus devaneios e dores que só nos sons arrancados ao piano conseguia acalmar. Mas sempre tentava amornar um pouco o ambiente porque o frio já se fazia sentir bem e sabia que o seu amo era homem que apreciava o calor e o sol, não era criatura de neves e frios, esse dom ficara-lhe do grande e único amor da sua vida, a esposa que perdera havia um ano. Ela sim, era a amante das neves, do frio, do Inverno, do vento e das tempestades. Na realidade parecia uma fada branca e frágil, grácil e alta como ele, flexível como um junco e bonita de uma beleza etérea e quase angelical, olhos profundos que mudavam entre o verde cinza e o verde esmeralda, os cabelos médios meios acobreados, e o sorriso sempre aberto no rosto. Mulher a um tempo frágil e segura, corajosa e sem grandes temores arrostava as falésias em qualquer tempo e ao vento norte e rijo se rendia com uma beleza característica que o marido temia e amava ao mesmo tempo. Durante os breves anos de união feliz muitas haviam sido as horas que passaram caminhando dobrados pelo vento pelas rochas negras e rasgadas onde, bem lá no fundo as águas bravias escachoavam incessantemente, mãos dadas e o riso franco nos rostos corados pelo frio, eram horas de prazer que ela vivia com uma sofreguidão inexplicável e que ele bebia oscilando entre o medo de tanta loucura e tanta felicidade. Naqueles picos a mulher parecia um elemento da natureza dura e áspera, perdia a sua candura de menina e tornava-se uma mulher em plenitude como se as forças a invadissem e tornassem noutra Helena, mas não menos bonita ou inquietante, misteriosa e grácil por isso. Amava-a completamente como se ama a vida, como ele amava o sol, as águas frescas e frenéticas na praia pequenina ao fundo dos penhascos, o calor do verão.
Helena deambulava pelo jardim nas manhãs em que a neve cobria as ruas delineadas e sinuosas, com a alegria de uma corça a quem deram um punhado de erva fresca, com um camisolão branco e calças justas manhã cedinho o criado via-a passar pelas janelas da cozinha onde invariavelmente batia com a mão enluvada e lhe atirava um beijo e um sorriso de alegria fazendo sinal para ter o café quente dentro de uns minutos, o bastante para ir até ao fim do jardim e abraçar o vento matinal sobre os rochedos. Por sua vez Armando deliciava-se em fotografa-la nesses momentos e lançava-se atrás dela apanhando-a desprevenida captando cada expressão especial e única do rosto e corpo amados. Assim os instantes de Helena foram ficando, impregnando as paredes, as roupas, os móveis, as vidas, e na fatídica manhã em que o poderoso Labrador veio uivando acordar a casa para o desgosto e para o luto a máquina fotográfica repousava sobre a banqueta do quarto onde sempre estava à mão para rapidamente ser agarrada e sair atrás daquele pedaço de vento, ou lágrima de nevoeiro. Helena desaparecera no fundo da ravina, e o seu corpo fora recuperado por um Armando morto por dentro, completamente despedaçado e mutilado. Desde esse dia a casa morrera, as salas foram ficando encerradas aos poucos, o pó foi-se acumulando nos móveis, os criados acabaram por ir também aos poucos embora, só o velho e fiel Alberto ficara a servir o seu amo, como sempre fizera, mas também ele mudou, a beleza e presença de Helena trouxera um ambiente novo e estranho aquela mansão, agora só o peso do silencio, o arrastar das horas e dias, e a profunda magoa de Armando restavam.
Havia algum tempo que recomeçara a tocar o piano, mas as lembranças eram dolorosas. A mulher tinha por habito vir aninhar-se no cadeirão perto da lareira, enroscada como um cordeirinho pequeno, descalça e de olhos perdidos nas brasas ou no rosto atento do marido, silenciosa e deliciada ouvia-o tocar e perdia-se nos acordes dos “Nocturnos” que ele magistralmente executava. No final levantava-se e de manso abraçava-o pelas costas e murmurava ao seu ouvido; - “Lindo meu amor, toca, toca só para mim. Toca amor, adoro ouvir-te!” ....


(O conto é grande para não ser tudo de uma só vez...Vai em várias partes)

E SE....

E se ....

O mundo acabasse agora

sem eu te ter conhecido,

sem te ter tocado a pele

olhado no fundo dos teus olhos!

E se...

O mundo me devorasse nesta hora

levasse o meu coração esmaecido

por não saber o teu sabor a mel,

nem os beijos, visto os teus olhos

debruçados sobre os meus!

E se...

Cada sonho fosse somente fumo,

sem forças para caminhar,

se eu te perder perco o rumo

esqueço o verbo amar.

Quero os sentidos despertos

na paixão, no fogo ardente,

quero os braços abertos

prontos para se entregar docemente,

quero morder cada instante,

sorver cada segundo,

nos lençois tornar-me amante

num extase meigo e profundo.

E se....

O mundo acabasse agora

sem que cruzassemos o olhar,

tocassemos a pele em mil beijos,

amor, pára o tempo sem demora

deixa-me somente tocar

no intimo da alma em vãos desejos.

Não deixes o mundo acabar!

quinta-feira, outubro 25, 2007

SILENCIO


"Todos temos uma asa para voar, no silêncio que nos aproxima, embora

em vão, e na dor indisciplinada que nos prende o coração nas horas silenciosas"

quarta-feira, outubro 24, 2007

BEIRA RIO

A cada curva da estrada um desencontro

um passo a mais sem rumo ou fim,

na beira rio onde repouso e me encontro,

há um outro eu que se eleva de mim.

Nas mansas águas dolorosas penas,

correndo magoadas para o mar,

como folhas mortas flutuando serenas

quais barcas vetustas sem mais navegar.

A cada curva da minha estrada

uma pedra, um escolho um desafio,

um mundo que me negou a entrada

num grito surdo em desvario.



E as mansas e dolentes águas

lavam a alma, choram comigo,

arrastam consigo todas as mágoas

tornam-se trilho que cega sigo.

Águas serenas de beleza impar

ondulando mansas sempre para o mar,

levem minhas penas e o meu olhar,

perdido sem rumo, sem saber andar.

segunda-feira, outubro 22, 2007

CRUZ DE SOLIDÃO

Das trevas pode nascer a luz,

do erro pode crescer o perdão,

da vida a paixão que seduz,

a presença na solidão.

O desalento será um passado

morto, esquecido e enterrado.

A vida sorrirá uma vez mais,

abre-lhe as portas, cala-lhe os ais,

arranca-he as feias roupagens

veste-a de arco-iris brilhante,

enche-a de bucólicas paisagens

torna-te seu rendido amante.

Deixa que das trevas nasça a luz

e do erro nasça o perdão,

solta o teu coração da cruz

dessa cruz de solidão.

domingo, outubro 21, 2007

PASSOS


Passo a passo, devagar abro o caminho

abro a porta de mansinho,

deixo que um ténue raio de luz penetre

na escura e fria alma, dorida e inerte.

Passo a passo, temerosa, quero acreditar,

quero sentir, poder ter, poder sonhar,

poder recomeçar, somente voltar a vibrar.

Passo a passo, incerta, inicio a viagem,

arrisco voar na mansa aragem

que me pega e lança de novo no ar,

solta, insegura sem saber como não afundar.

No espaço imenso vogo ainda sem rumo,

sem espaço ou realidade, feita apenas fumo

que ao céu se eleva e nele se perde....

Passo a passo, passo a passo, unicamente

passo a passo....Eternamente.

COM TODO O AMOR



Mais uma vez a querida Juli do blog "Lagrimas e Sorrisos" me mimoseou com um award. E eu peço-lhe licença para usar a sua imagem e a frase de Einstein, porque é de uma realidade e verdade profundas. Perdão pelo abuso minha querida! Obrigada pelo teu mimo que não mereço.

Como as nomeações se impõe até porque há blogs escritos com muito mais AMOR que o meu, aqui faço a minha entrega com....Todo o amor.

momentusmomentus.blogspot.com. -Nina

suspiroempensamento.blogspot.com - Lu@r

coisasdogui.blogspot.com - Gui

analuar.blogspot.com - Ana luar

profeciaeterna.blogspot.com - Profeta

eternidadenummomento.blogspot.com Vlad

fernananda55.blogspot.com - Fernandinha

quinta-feira, outubro 18, 2007

DEIXA QUE SEJA

Deixa-me ser uma lágrima tua,

uma sombra no olhar,

apenas a alma errante e nua

que no teu peito vem repousar.

Deixa-me ser a mão que te prende

de manso e com paixão,

a silhueta que nos lençois se rende

as caricias da tua mão.




Deixa-me ser só um beijo

que na tua pele penetra,

que te enlouquece o desejo,

que faz o amor e o desperta.

Deixa-me ser só um momento

eterno, pleno, sem fim,

afoga e afasta o tormento

que mata o que há em mim.


Possa eu ser só, uma lágrima tua...

segunda-feira, outubro 15, 2007

PENITENCIA


Pelo tunel do erro perdi-me,

achei-me no deserto do desalento.

Trilho os passos sem sentido e sinto-me

oca, vã, sem rumo, sem sustento.

Hoje troco o sol pela noite escura,

troco a presença pelo abandono,

troco a certeza pela esperança futura.

Caminho um espaço sem retorno,

uma alameda de tristeza,

uma avenida de desinteresse.

Nada importa, só esta aspreza

de errar, cair, perder o interesse,

o rumo, a meta, perder-me de mim.

(Será que algum dia fui eu?)

Pelo tunel imenso e sem fim

arrastar os passos, suportar o erro,

levar a cruz, seguir em frente no breu

do desencanto com o fogo e o ferro

por companheiros e o peso da mentira.

domingo, outubro 07, 2007

QUERIA SER

Como o vento,
queria ser como o vento
que passa ora brando ora forte,
mas não fica, nada o prende nem a morte.
Como as nuvens,
queria ser como as nuvens
que cruzam os céus em movimento,
chovem, ensombram e desfazem-se no momento.
Como as aves,
queria ser como as aves
que esvoaçam sem se prenderem,
vão e vêem, voltam e vão sem se renderem.

Como a noite,
queria ser como a noite
e ter o eterno manto escuro a cobrir-me,
esconder-me, esquecer-me, suprimir-me.
Como o nada,
queria ser como o nada.
Deixar de ser, deixar de estar, apenas não ser,
apenas não ver, apenas...Desaparecer.

sábado, outubro 06, 2007

HOJE SOU...


Hoje deixo-me somente vogar

nas palavras que se esvaem pelos dedos

como ferida aberta a gotejar.

Hoje deixo o pranto à desfilada jorrar

sem que o contenha, imerso nos medos

do meu dedilhar,

dedilhar a vida, arrastar os passos,

conter o desejo, amordaçar o sentir,

medir o tempo, todos os espaços

em que morro aos poucos e me deixo fluir.

Hoje vogo num limbo sem história,

num espaço azulado, errante e distorcido,

caminho à toa sem paz nem memória.

Hoje sou o tronco encanecido,

a folha caída, a árvore despida,

a chuva que molha,

a noite fria e entorpecida

a lua distante que gélida me olha.

sexta-feira, outubro 05, 2007

AS SANDÁLIAS

As sandálias abandonadas sobre a varanda de madeira envernizada, o chapéu de abas largas repousa sobre a cadeira de baloiço que dança na breve aragem do final de tarde, e na areia um rasto de pé nus em direcção ao mar vestido dos tons róseos e purpúreos dos espectaculares entardeceres daquelas paragens. A figura esbelta e elegante recortando-se escura no vermelhão do
cair do dia, caminha de cabeça erguida desamarrando o nó da leve saia que lhe cobre as coxas e as pernas bem lançadas, que, como que arrancada por mão invisível, cai à beira da água.
O mar dir-se-ia que meigamente lhe molha o corpo esguio que nele mergulha com um arrepio de prazer. As ondas breves e frescas escondem por breves instantes a mulher que volta à tona de cabelos molhados e rosto sereno. As braçadas sincopadas e correctas levam-na para bem fora de pé em direcção ao sol que vai mergulhando nas águas cada vez mais escuras e frias. A noite vai descendo de manso e envolvendo tudo em seu redor com o manto negro aveludado e suave das estiagens., mas nada parece demove-la de se internar cada vez mais mar adentro, nem a noite, nem a temperatura do mar.
Na varanda uma ténue luz lembra um regresso ao aconchego, chama à razão, mas o seu apelo fica mudamente cristalizado na praia, onde só o som do marulhar brando se eleva. Pela janela aberta uma sombra move-se procurando em todas as dependências, as luzes vão ficando acesas à sua passagem e em breve a casinha é um farol que brilha na noite, chamando, chamando, mostrando um rumo, um caminho. Na varanda, a figura masculina olha atentamente o mar que esconde o seu segredo ciosamente, perscruta o negrume e lentamente vai descendo à praia caminhando em silêncio de cenho franzido e olhos postos no som que lá de baixo lhe chega aos ouvidos.

Na beira-mar a saia abandonada vai e vem no refluxo da maré, molhada e enrugada como a vida que entrara mar dentro havia algum tempo. Agarra no pedaço de tecido e despindo a camisola, tirando os sapatos, enrola-o na cintura e entra igualmente alucinado pelo mar frio. Mergulha, vem à tona, mergulha, volta ao de cimo das águas, mergulha, cada vez mais fundo, braçadas vigorosas de nadador há muito habituado à força da água em enchente, impulsionado por um desejo louco de voltar a prender aquele corpo frágil e dócil nos braços, de voltar a faze-la sua. Mergulha e força as braçadas para baixo, como que tentando ver através do negro véu liquido, cada vez mais fundo, cada vez mais longe, e numa vinda à tona pareceu-lhe ver um vulto um pouco mais à frente. Nada com força e com o coração a bater acelerado em direcção à mancha. Rápido! Rápido, cada vez mais rápido! As braçadas sucedem-se ritmadas. Certas, como remos que cortam a água à cadência de uma competição.
De repente embate num corpo inerte e gelado, que de costas flutua docemente na ondulação branda de largo. Os braços abertos, a pernas ligeiramente entreabertas, o corpo flácido, os cabelos colados ao rosto frio. Reboca-a o mais rápido que pode para terra, tentando que o seu próprio coração não lhe salte pela boca devido ao esforço hercúleo que tem vindo a desenvolver. Barco salvador rebocando uma prancha de surfista, assim chegam à terra firme. Completamente esgotado, abandona-se uns momentos sobre a areia cobrindo o corpo enregelado com o seu, puxa-a um pouco mais para cima para que o mar não os molhe mais. Recupera o fôlego e pegando nela ao colo encaminha-se a toda a pressa para a casa, que de longe parece um hino à alegria, ao calor, ao aconchego.

Farol na noite escura, a casa deserta mas atenta recebe-os no seu seio. No chão fica um rasto de água dos corpos ensopados, lança-a sobre o cadeirão e corre casa dentro para trazer toalhas e um cobertor. Ao olha-a desanima, os lábios carnudos estão violáceos, os olhos cerrados e negros, a cabeça pendente e sem vida, o cabelo colado ao rosto inanimado e descorado. Os braços moles, ficaram na posição torcida em que os deixara, as pernas e os pés estão roxos e o corpo horrivelmente frio, quase o fazem desistir. Quantas horas estivera dentro de água? Quantas horas estivera sem se mexer? Porquê? Porque a deixara vir embora assim?
Acende a lareira na noite morna de fim de verão, e esfrega o corpo, as extremidades, sem despregar os olhos daquele rosto que tanto ama e tanto magoara. Despe-lhe o fato de banho e o corpo nu que tantas vezes prendera no seu lembra-lhe dolorosamente as noites de entrega, o riso solto e doce quando lhe fazia cócegas, os beijos ávidos e meigos que trocavam, a maneira única como o olhava, a malandrice e gaiatice no rosto de cabelos soltos que fazia descer pelo seu peito deixando o suave rasto do perfume do champô. A lareira já crepita e pegando amorosamente nela vai deita-la sobre o cobertor bem perto das chamas tentando chama-la à vida. Aos poucos a cor arroxeada vai abandonando o corpo que retoma o seu tom marmóreo que o delicia, os pés, as mãos compridas e finas, o rosto devagar vão retomando a sua cor, e num arranque brutal a respiração retoma a normalidade. As contracções involuntárias começam, e ele aprecia em toda a sua beleza o corpo nu que ao calor das labaredas vai tornando à vida. Docemente deita-se sobre ela tentando acalmar os espasmos. De olhos ainda fechados, lentamente os braços envolvem-no, o corpo aninha-se contra o calor do seu, e ao seu ouvido num fio de voz que lhe parece vir do fundo da morte, a voz suave murmura-lhe;
Voltaste amor, voltaste.

quinta-feira, outubro 04, 2007

DESENHO-TE

Desenho-te no vazio da noite,
na escuridão do quarto silencioso.
Evoco a luz da lua para que acoite
o meu sonho medroso.
O meu desejo calado, mordido, sufocado,
o beijo ansiosamente à espera de outro beijo,
o meu corpo amordaçado
no teu toque apenas sonhado e que não vejo.
Os lábios molhados de paixão...
E sinto-te em mim como um vulcão
prestes a explodir,
a eclodir.



E levo a noite a desenhar-te sem parar,
cada traço do teu rosto,
cada expressão do teu olhar,
cada toque um fogo posto
que no meu corpo acendes.
Cada beijo uma centelha de magia,
essa com que me prendes
nos acordes da fantasia.
E o meu corpo aguarda-te na solidão
da noite escura em que busco a tua mão
e encontro o vazio de ti em mim
num desespero que parece não ter fim.
Mas continuo a desenhar-te no vazio da noite....

Nomeio....


O nosso querido Gui do blog "coisasdogui", com a ternura e carinho que lhe são habituais e também com aquele coração enorme que tem entregou-me um premio, imerecido, porque as minhas palavras de solidárias têm muito pouco, apenas aqui deixo pedacinhos de alma. Mas aceito com todo o carinho este mimo, guardo-o, quase me apetece reenvia-lo, porque se há quem o mereça é mesmo este amigo do peito a quem estimo com toda a alma, e cumpro o requesito de o passar a pelo menos 7 blogs.
Junto as condições e passo a nomear.


CONDIÇÕES ORIGINAIS Prémio Blog Solidário:"Existen muchos premios y galardones con prestigio y solera a lo largo del planeta que se otorgan a personas que hayan resaltado por alguna técnica o actividad.Siguiendo la moda de los premios blogger en la blogosfera, he tenido la idea de hacer uno dedicado a los blogs que destacan o han destacado en alguna ocasión por su solidaridad con los demás, tanto a nivel general como individual. Creo que se merecen una especial distinción y debemos demostrarles nuestro agradecimiento y cariño en este mundo en el que corre mucho egoísmo e indiferencia.Además, gracias a estos blogs solidarios podemos promocionar una vez más la blogosfera.Las condiciones para otorgarlo son las siguientes:1º Escribir un post mostrando el PREMIO y citar el nombre del blog que te lo regala y enlazarlo al post que te nombra. (De esta manera se podrá seguir la cadena).2º Elegir un mínimo de 7 blogs que creas que se han destacado alguna vez por ayudar, apoyar y compartir. Poner sus nombres y los enlaces a ellos. (Avisarles).3º Opcional. Exhibir el PREMIO con orgullo en tu blog haciendo enlace al post que escribes sobre él y lo otorgas a otros.


suspiroempensamento.blogspot.com - Lu@r

profeciaeterna.blogspot.com/ - Profeta

tascanight.blogspot.com/ - António Moinante

julls17.blogspot.com/ - Juli

eternidadenummomento.blogspot.com - Vlad

analuar.blogspot.com - Ana Luar (avó)

whispersinnight.blogspot.com/ - Raquel

quarta-feira, outubro 03, 2007

COMO ERA NO PRINCIPIO...


Assim como foi no principio

será no fim...

Dei os passos sozinha, despida, despojada,

nua de sentimentos,

mergulhei de cabeça como que empurrada,

perdida, sem pensamentos.

Entrei no túnel escuro e aberrante

caminhando sem ver, só caminhando,

passo a passo, trilhando errante

um labirinto estupido num silencio brando.

Saio, como entrei; Nua, fria, oca...Tão vazia!

Das mãos pendem os sonhos amarfanhados,

dos olhos, as lágrimas numa dureza bravia,

do coração sobram os amores destroçados,

e de mim já nada sobra. Uma sombra, nua.

caminhando errante à luz da pálida lua.

Assim como foi no principio

é no fim...

terça-feira, outubro 02, 2007

DESERTOS

Nota discordante no meio do mundo,

ando ao contrário,

ou será que não?

Nota hesitante de desencanto profundo,

sem fuso horário,

sem terra nem pão.

Nota aberrante onde me afundo,

trilho solitário

entre o louco e o são.

Nota gritante onde confundo

o seguro e o precário,

o fim e o inicio,

a morte e a vida,

o caminho e o precipicio,

a chegada e a partida,

o vazio na minha mão.

Nota discordante no meio do nada,

apenas o orvalho desta madrugada.

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...