domingo, dezembro 06, 2020

LADRÃO DE MEMÓRIAS

 

Na volta da estrada já gasta da vida; um olhar.

Um sorriso breve, um sorriso esgotado.

Uma figura encanecida de Tempo a esgotar,

Passando veloz sem se fazer notado.

Mas passa, correndo como um louco,

Passa, roubando os dias, as horas, as memórias.

É já nessa volta da estrada, que o Homem fica rouco

de calar o grito de dor. De olhar o vazio das vãs vitórias.

Porque tudo se esvai… tudo se vive e se enterra:

a Vida apressa-se a resvalar, e esquecemos o que é Viver.

De repente o futuro é agora, perdemos o pé e a terra,

perdemos o dia e a noite. Só não queremos esquecer.

Na volta da estrada já gasta de vida – um homem

enfrenta o declínio, o fim, o oblívio.

Na volta da estrada já gasta de vida, os sonhos somem,

perdem-se os passos, aceita-se o fim e o martírio.


Lágrimas de lua










quinta-feira, novembro 19, 2020

SEM AMARRAS ... SEM CHÃO...

Quando as amarras que nos predem ao chão,

nada mais são que laças cordas sem vida,

nós esgotados, rasgadas velas, farrapos em ferida.

O tempo desliza pela brecha do passado vão.

Olhamos a estrada, constante e esguia,

traçamos os passos, contamos estrelas, desafiamos a lua,

e somos garças de voo lento e musgos de alma nua,

escrevemos no vento, corremos à porfia.

Quando as amarras já não nos prendem ao chão,

o nosso chão se dilui nas asas de uma gaivota errante,

e os sonhos se escondem nas ondas da maré vazante,

os olhos buscam a paz, horizonte, luz e perdão.

Escrevemos o tempo no avesso dos dias,

sonhamos o irreal num barco de papel

navegando a vida na ponta de um cordel,

quebrando amarras de cores sombrias.


Lágrimas de lua



domingo, novembro 01, 2020

ARRABALDE DO SONHO






Sou mãe do nada ancorado no arrabalde de um sonho.
Sou a mão que a neblina estende enfeitando o infinito,
sou o que não sou, mascarando o passado e o bisonho,
e sou um caminho por trilhar em mágico e estranho rito.
Sou mãe do nada que emoldura a vida, escorrendo de uma ária
solfejada em Dó Menor, Ré sustenido. Barítono enamorado
de uma encantada Moura, qual musa enfeitiçante e lendária.
Sou o que toco na caricia da pele, no beijo efémero, apenas sonhado.
Sou mãe do nada que brinca por entre os vetustos troncos ardentes,
mordendo histórias que o tempo encerra, e os homens esquecem.
Sou vento norte e brisa do mar; salgada, subindo falésias recrudescentes.
Sou o corpo que viaja entre o tudo e o nada, sou olhos que enfraquecem
e mãos que prendem o vazio, escorrendo como água; verde e azul.
Como gotas de um sol gasto, duramente encanecido,
como pétalas soltas, abandonadas ao cálido vento sul.
Sou mãe de um nada ou de um tudo; um início há muito esquecido.

Lágrimas de lua

segunda-feira, setembro 28, 2020

SEMENTES DE INVERNIA





Estas sementes de invernia que se acomodam no coração,
são gotas de chuva fria, suspiros de vento, lágrimas de emoção.
E na branda melodia que nos aconchega a esquecida alma,
ecoam neblinas do passado, que nos vestem com a calma
de quem superou o medo, de quem venceu a solidão.
Estas sementes de tempo que se escoa devagar,
são beijos na noite densa, que ficaram a flutuar.
Ao longe brilha um farol. Entrecortada claridade
que aflora cada vida a passar, numa utópica eternidade,
em cais de partidas sem retorno, grilhetas de escravidão.
Estas sementes de invernia brotam como erva daninha,
invadem o sereno, o silêncio, desta noite só minha….  


Lágrimas de lua

domingo, setembro 13, 2020

PURO ÂMBAR


O âmbar aprisionou o suspiro de tempos passados,
como as cores dos sonhos suspensos e inacabados.
Ambarinos Tempos inusitados!
Globo de sonhadas vidas intocáveis, perpetuadas
no vítreo vislumbre de histórias empolgadas.
Ambarinos Tempos inusitados!
Longínquos ecos murmuram acordes desconhecidos
espicaçando a humana mente por meandros atrevidos.
Ambarinos Tempos inusitados!
Olhar a vida aprisionada num farrapo de tempo esquecido,
cerrar os olhos e viajar num mundo há muito perdido.
Ambarinos Tempos inusitados!
O âmbar guardou a memória da Vida numa gota de mel,
qual abelha diligente, qual barqueiro velho em seu batel,
fica a memória de um passado esculpida a cinzel…
Ambarinos Tempos inusitados!
Ambarinos Tempos… agrilhoados!

Lágrimas de lua



segunda-feira, agosto 31, 2020

DE PASSAGEM




Um dia rasgar-se-ão todos os véus que nos povoam o olhar,
o coração será um sereno e límpido lago; deixará de sangrar,
e a alma será a cabana no cume da montanha mais alta.
Um dia, as lágrimas serão como gotas de chuva que ressalta,
na aridez do caminho sem retorno, onde as árvores murmuram,
e os pássaros fazem os ninhos, e as horas se acomodam e sussurram.
Um dia o vazio, a dor, a desilusão e a opacidade vão tornar-se luz.
Luz de um sol que desconheço, de uma estrela que brilha e traduz
todas as cores do arco-íris, que iluminam por dentro a alma.
Um dia toda a mágoa se dobrará em profunda vénia; calma.
E o passado será somente a história que dá forma ao presente
e caminho ao futuro… sem dor, sem cicatriz, sem razão demente.
Um dia rasgar-se-ão todas as injustiças que nos costuram a vida,
um dia seremos apenas brisa suave que passa como breve despedida.
Um dia atravessaremos a ponte, iremos para a outra margem,
mergulharemos no infinito… estamos somente de passagem…

Lágrimas de lua

segunda-feira, agosto 10, 2020

PÉROLAS DE INQUIETUDE














Abracem-me os vendavais; despenteiem-me os sonhos,
rasguem as vestes de penumbra e o olhar de finitude.
Vistam-me as tenebrosas tempestades de trovões medonhos,
enfeitem-me os cabelos com pérolas de inquietude.
Trespassem-me o peito mil flechas de luminoso orvalho
calcem-me sapatos de plumas de mil cores e velozes anos.
Perfumem-me com a essência de um perfume grisalho,
esquecido no tempo de sorrisos juvenis e insanos.
Afaguem-me as luas de despudorada alvura,
vibrante e fria; distante. Bela. Perdida, mas soberana.
Desnudem--me o olhar com a força da ternura,
exponham-me a alma ao som de uma melodia cigana,
plena de mistérios e ténues neblinas de imemorial história.
Abracem-me todas as tempestades do meu cabo das Tormentas,
desfraldem-me todas as velas da minha caravela sem glória,
porque o vento trará a bonança, um bom porto de temperança.
A Barca fará a travessia nos braços da Natureza... no veludo do Tempo….

Lágrimas de lua

terça-feira, julho 28, 2020

ALADA ALMA



Nascem asas na alma que se eleva, leve como pomba de paz,
suave como beijo de rosa, doce como mel de zelosa abelha.
Voa, liberta de sonhos traidores, voa em cores de aurora que traz
o raiar de um novo dia. Voa, cheirando a musgo e groselha,
a flores de verde pinho, a salgada espuma e agreste alecrim.
Voa como se o mundo terminasse nos braços de um arlequim.
Nascem asas na alma, como gotas de orvalho beijando a terra,
enchendo o mundo de espanto, de sonhos de amor eterno.
E a alma eleva-se, liberta; já não tem paz, nem ódio, nem guerra!
É apenas alma branca, vestida de translucido e sereno Inverno.

Abro as mãos… parte a alma, eleva-se sobre este cais – perdido –
voa! Já não olha para trás. O passado por lá ficou, aprisionado e vivido.


Lágrimas de lua



quarta-feira, julho 15, 2020

NO OUTRO LADO DO MUNDO























Eu já fui águia; voando sobre o mundo escondido,
planei sobre sonhos. Plantei sementes de eternidade,
espalhei poalha de estrelas e vibrantes raios de sol,
despenhando-se em nuvens de tempo esquecido.
Eu já fui andorinha; saltitante de alegre serenidade,
olhando um alvo, rugoso, e encantado lençol.
Eu já fui sombra, e já fui luz. Já fui amante e perdi o pé,
já fui leve, como aragem de Verão, roçando breve a espuma.
Amei olhando, amei amando. Abri o peito com adaga de ocaso.
Elevei-me nas asas de uma viagem longínqua, de mar sem maré,
de espanto e de encanto, de descobertas, de arrepiada bruma.
Mergulhei sem destino e acordei num outro mundo… por acaso.
Seria? Quem me abriu os olhos, me mostrou o infinito?
Quem me deu asas de andorinha e olhar de águia, sopro de vento,
coração navegante? Um arroubo de azul? Um pedaço de granito?
A voz da natureza? Um mergulho no denso negro e cinzento….
Eu já fui águia… e mergulhei; no outro lado do mundo.


Lágrimas de lua

segunda-feira, junho 29, 2020

UM COMBOIO CHAMADO - "EU"


Parti de mim, numa viagem sem destino.
Embarquei no comboio que sou eu,
a minha vida a mim pertence, somente.
Aceito companheiros nesta viagem sem tino,
neste viver o dia-a-dia sem medo do breu.
Mergulhar de cabeça neste mar… docemente.
Parti no meu comboio feito de alma e coração,
feito de carne e sangue, do que me corre nas veias.
Embarquei na estação de partida, e vou,
vou por onde a linha me levar, vou na emoção
de partir sem saber se vou chegar. Ir sem peias,
ir sem grilhões nem anseios, sabendo que apenas estou
a fazer o meu caminho. Que o comboio sou eu,
que a linha é o meu percurso, e o tempo… passará.
Pouca-terra, muita-terra, o comboio seguirá
o seu caminho até ao final, num percurso que será meu.



Lágrimas de lua




terça-feira, abril 14, 2020

SILÊNCIO ENSURDECEDOR







Por entre as palavras mordidas e os silêncios demorados,
decorrem os dias. Escorrem as horas e passam os anos.
Moldam-se as vidas como barro em mãos de oleiro,
formam-se montes e vales em corações enamorados.
Crescem muros de feroz desilusão pontuados de enganos,
bordados por pérfida mão, ou mago traiçoeiro.
Por entre as sobras de um amor incumprido e as lágrimas
derramadas, como chuvas de uma eterna Primavera.
Por entre os cacos de um espelho usurpador,
deambulam as palavras que jamais se dirão, e as rimas
que não se completarão. E na solidão que impera
pairam sentimentos amordaçados num silêncio ensurdecedor.
Por entre as palavras mordidas e os silêncios forçados,
escorrem pedaços de vida, teias de memórias. Momentos passados.



Lágrimas de lua

segunda-feira, março 02, 2020

AS BRUMAS DOS TEMPOS







Guardo nos olhos as brumas dos tempos;
de sonhos vividos e de desejos sonhados.
Trilho os meus devaneios, sempre calados,
em estrada de sinuosas formas, alienadas.
Escrevo no vento histórias desalojadas
dos recantos da memória, empoeirada.  
Abro as mãos deixando livre a madrugada,
guardo nos olhos as brumas dos tempos;
e nos alvores de estiolada esperança
pinto um arco-íris de risos e temperança.
Rasgo janelas em baças paredes ancestrais,
abro alas aos enfeitiçantes e alegres jograis.
Quebro os diques de todas as arcanas memórias,
deixo fluir o passado entre pétalas e escórias,
mas guardo nos olhos todas as brumas dos tempos…

Lágrimas de lua

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

A TRIBO






É esta a minha tribo, a minha essência profunda.
É esta a minha tribo, a força que me alimenta.
É esta a minha casa, que a leveza toca e inunda.
É esta a minha casa, onde o mistério se senta.

É esta a minha raiz, o meu tecto e o meu chão,
a mesa que me sacia, o leito que me descansa.
É esta a minha raiz feita de amor e perdão,
de dar sem esperar, cultivar paz como herança.

É esta a minha tribo, que me moldou a cinzel,
e pelo fogo e água me temperaram,
deram forma, garra, voz, deram ímpeto de corcel.
É esta a minha tribo, os laços que me apertaram,

o caminho que me ensinaram, as asas que me doaram…
É esta a minha tribo, é esta a minha casa; é esta a minha raiz!


Lágrimas de lua

sexta-feira, janeiro 03, 2020

SOMBRAS NA ESTRADA



Quebra a sombra que na estrada se projecta; oblonga e fria,
quebra as amarras que ancoram o barco ao cais, lodoso e triste.
Quebra as neblinas que se arrastam ao nascer de mais um dia,
e pinta novos alvores de sonhos, mesmo se já nada existe.
O tempo presenteia-te a cada suspiro de vento norte,
a vida oferece-te uma nova oportunidade a cada novo luar,
abre os olhos, abre as mãos; o caminho não é só sorte,
é empenho, é alma, é doação e entrega, conjugando o verbo amar.
Quebra a corrente de um passado sem futuro; vive o presente.
O caminho tem pedras, mas há sempre um sol nascente.

Quebra as sombras que na estrada te ensombram…


Lágrimas de lua

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...