segunda-feira, junho 25, 2007

TERRA VIBRANTE - II


De repente um ruído surdo e continuo faz-se ouvir na gruta, parecia o vento suão a rugir ao longe, canalizado por uma conduta onde corria a alta velocidade. Ao princípio não ligaram muito ao som e os afazeres continuaram, mas uma das vulcanólogas que se encontrava mais perto da poça borbulhante de lava, é desperta das suas medições e meditações por uma projecção mais forte de uma bolha fervente que espalha o seu material fundido em todas as direcções acertando-lhe num braço e numa perna que lhe arrancaram um uivo de dor. Acorrem todos e numa fracção de segundos são surpreendidos pela enchente ruidosa do lago que, assustadoramente, cresce como uma serpente venenosa em direcção a eles. A temperatura subiu bastante e o cheiro a enxofre é nitidamente mais forte dificultando a respiração, os olhos enchem-se de lágrimas e a pele da rapariga tem um aspecto horrível de queimadura perfurante, o material de primeiros socorros está no outro extremo da gruta, a salvo, seco sobre uma rocha lisa. Mas as águas em subida rápida travam-lhe o passo deixando poucos sítios por onde passarem. A torre por onde desceram é agora um ancoradouro inacessível já que as águas lambem a entrada abobadada da escada em caracol que só há pouca horas desceram, o calor torna-se cada vez mais insuportável e as emanações já formam uma nuvem densa que sufoca a cada inspiração. Pelas escadas desce esbaforido o guarda-florestal, num pânico total ao aperceber-se que na pequena salinha tudo apitava e gritava a um ritmo alucinante, ele tinha apenas ido ao café por uns escassos dez minutos, e quando voltara os aparelhos pareciam loucos, as níveis haviam disparado para valores mortais. Lançara-se numa correria desenfreada escadas abaixo para tentar retirar da gruta os cientistas que à sua guarda tinham sido confiados. O espectáculo que se lhe deparou provocou-lhe um calafrio pelas costas. Os gritos de dor da moça, amparada nos braços pelos companheiros de infortúnio sobrepunham-se ao rugir das entranhas da montanha, mas chegar até eles e auxilia-los a saírem com vida daquela traiçoeira bocarra de veneno era empresa quase impossível. Conhecedor das manhas do monte, arrisca-se a entrar na gruta e gritando para se sobrepor ao ruído indica o caminho mais seguro para atingirem as escadas e a salvação. O vapor asfixia-os, os olhos estão praticamente cegos pelo enxofre e pela nuvem sulfurosa que envolve a cratera, os pés escaldam nas botas ao pisarem as rochas incandescentes do solo em ebulição, e a poça lança ao ar explosões de lava que se projectam em todos os sentidos da gruta a cada dois segundos e as águas quentes rasam as formações rochosas por onde nem havia uma hora passeavam despreocupados.
Sem cordas para os auxiliar, só pela voz os guia esperando que não tropecem e caiam na caldeira, enquanto lhes vai gritando ordens a sua alma entoa ao Senhor Santo Cristo uma prece pelo bom sucesso da empreitada de os retirar dali a breve espaço de tempo, os gritos da rapariga perturbam-no em extremo porque a sente em sofrimento sem poder socorre-la mais rápido, terão que encontrar o caminho até ele e depois sim, acalmar as dores insuportáveis da queimadura.Finalmente chegam, cegos, asfixiados, suados e extenuados aos braços do guarda que os empurra sem cerimónia pelas escadas acima obrigando-os a um esforço complementar de correrem pelos degraus em caracol e afastarem-se dali o quanto antes. Mais de metade da ascensão faz-se ainda debaixo da influência do gás venenoso, a rapariga sucumbe ao terceiro degrau desmaiando com o braço em chaga. Será carregada ao colo escadas acima pelo vigoroso guarda-florestal que horrorizado se apercebe que por sua culpa aquele braço alvo e esguio ficará deformado para todo o sempre, bem como a perna que tem igualmente uma queimadura muito feia e profunda….
Toca o sino de alerta no alto da montanha e para lá convergem todos os que podem caminhar, que podem auxiliar, os bombeiros e as ambulância voaram monte acima, o topo da montanha está agora cinzento, e as copas das árvores parecem queimadas com os vapores que pelo meio delas se eleva, tudo se silenciou ao rugido das entranhas da terra, o chão treme vezes sem conta em abalos pequenos, quase sincopados, de intervalos curtos e cíclicos, dir-se-ia que a terra lembra aos homens a sua força, o seu poder, e a pequenez e insignificância do homem frente às forças naturais.
Passadas alguma horas o sol volta a brilhar, as aves entoam de novo os seus cânticos de esperança e alegria no topo do monte, o fumo dissipou-se, as árvores readquiriram o seu vestido verde belíssimo, na gruta tudo é silêncio e calma, e nas camas do hospital uma equipa médica luta pelas cinco vidas, em especial pela aquela rapariga de rosto crispado e queimado pela exposição ao enxofre e cujo braço e perna são uma pasta ensanguentada que a custo tentam compor com enxertos de pele.
A montanha uma vez mais ganhou a batalha, o seu misterioso lago e a “maré” ficam de novo no segredo da mãe terra, essa deusa ciosa das suas coisas que a muito poucos se revela.

TERRA VIBRANTE - I

O vento cortante do sopro marítimo atingia em cheio a pequena vila encolhida nas brumas salgadas. As pedras desgastadas pelas intempéries e pelo rodar dos anos do porto, eram lambidas furiosamente pelas águas revoltas, escachoantes e repletas de alvas espumas que no ar se elevavam qual poalha translúcida e fria que ao nevoeiro breve se juntavam. Os barquitos, a salvo bem no topo do molhe, mais pareciam velhos lobos-do-mar olhando saudosos as profundas águas seu elemento natural. A quietude era apenas cortada pelo forte embate do mar, agressivo e duro nas pedras, no paredão e nas escadas que lhe travavam os ímpetos. Não se via vivalma nas ruas da vila, as portas e portadas permaneciam obstinadamente fechadas, as redes de pesca e os apetrechos cuidadosamente arrumados nos seu lugares à espera de nova onda benigna que os levasse até aos tesouros do azul profundo. As aves haviam calado os seus trinados, até os cães vadios pareciam ter-se encolhido nalgum canto escuso. O silêncio sepulcral da vila levava a crer que, por misteriosa mão, tudo se evaporara deixando os esqueletos das vidas que normalmente por ali giravam, nas suas azáfamas diárias, nos seus afazeres costumeiros. Onde estavam todos? Não que os houvesse muitos é uma verdade, mas mesmo assim entre os pescadores, o pessoal do balneário, e todos os que do comércio viviam ainda faziam jus a uma Câmara Municipal e quatro juntas de freguesia…Onde estava uma vila inteira? O “monte” não fumava, as terras haviam algum tempo não fremiam sob os pés dos homens, que se soubesse ninguém havia passado para os braços do Criador, então, onde estavam?Lá bem no interior da ilha a azáfama era totalmente diferente; Do continente tinham chegado havia alguns dias dois vulcanólogos, um fotógrafo e dois espeleólogos que se iam dedicar ao estudo da cratera ainda activa. Esta estava num local quase paradisíaco, envolta pelo manto verdejante que caracteriza estas paragens de contos de fadas, descoberta alguns séculos atrás, por acaso, no decorrer de uma batida pelos bosques e montes, a imensa bocarra estava agora airosamente complementada por uma torre que lhe dava acesso mais fácil que não a anterior arriscada descida por cordas lançadas pelos buracos a mais de 300m do solo da gruta escorregadia e traiçoeira. Pelos trezentos e muitos degraus tinham sido descarregados, afanosa e penosamente os materiais dos cientistas que dir-se-ia tinham trazido a casa às costas tal era a quantidade de aparelhos, que espalhados por todos os cantos da gruta jaziam. Cá no alto, numa minúscula sala de controlo, os vapores emanados pelo vulcão eram controlados milimétricamente e, consoante as épocas do ano, assim se permitiam as visitas, as descidas e as prospecções, já que não raro era a atmosfera de gruta ficar te tal forma saturada das emanações de enxofre que a asfixia era mortal em poucos minutos. Após alguns sustos em tempos passados havia sido instalado o antiquado, mas eficaz, dispositivo de detecção de gás para salvaguarda dos que lá a baixo se atreviam a descer, conhecer e estudar, ou até, rezava a sabedoria popular, tratar alguns “males de pele e respirações dificultosas”.Do grupo somente dois conheciam o local, para os outros a gruta era o imenso desconhecido. A luz difusa que pelo “tecto” entrava, o ambiente rochoso, escuro de erupções anteriores, o cheiro característico a enxofre que da poça borbulhante se elevava, as pequenas formações no solo, eriçadas de amarelo e quentes ao tacto, e a maravilha que a todos encantava; O lago! Esse lago que de tão traiçoeiro era um mistério quase insondável.Parecia ter marés pois o nível das águas ora subia ora descia, ora quase inundava a gruta deixando pouco espaço para nela se andar, ora quase desaparecia nas profundezas apertadas e negras da garganta que se estreitava qual funil lá no fundo. De águas quentes e sulfurosas, nas quais um mergulho era totalmente desaconselhado, não obstante a presença continua de um barquito na margem, que, a força braçal, levava os mais destemidos até ao estreito por onde as águas se escoavam, sabe Deus ou o demónio para onde.De momento o lago está em maré vazia, a emanação de gás estável e os nossos homens e mulheres desenvolvem o seu trabalho com satisfação e calma, entre graçolas e piropos, entre medições, fotografias, recolha de amostras e perfurações no solo rochoso.

sábado, junho 23, 2007

Agradeço o carinho e a nomeação da doce bruxinhachelot, que a este humilde cantinho dedicou o prémio "blog com tomates". Não me considero mercedora de tal, mas sinto-me lisonjeada pela escolha. Um obrigada enorme. Volta sempre...E a ilha está ao alcançe da mão, acredita que sim.

Beijo grande



quinta-feira, junho 21, 2007

AZUL-COBALTO



O sol batia a pique no azul-cobalto das águas profundas e ricas que, eriçando-se, embatiam com fragor nos rochedos contorcidos e negros, quais gritos mudos de erupções ancestrais. A areia escura, quente dos ardores diurnos, pisada por inúmeros pés parecia querer dizer que a deixassem repousar naquela hora em que o seu enamorado amigo, que lá do alto a beijava todos os dias, sobre ela lançava o seu corpo de astro luminoso, irradiando luz, calor e beleza.
A praia ficou deserta, o Inverno vinha chegando, e aquele outonal dia era um dos raros em que o sol não se escondera envergonhado e impusera a sua vontade de rei sobre as nuvens empurrando-as para o Pico. Um barquito afoito navegava pelo denso azul cavalgando a ondulação que, com o virar da maré, se fazia sentir mais forte, lá dentro uma silhueta magra, de cabelos ao vento, virara-se para a ilha e os seus olhos perdiam-se de sonhos nas encostas verdejantes que para eles se estendiam, aos poucos uma névoa de lágrimas sentidas inunda-os, descendo mansamente pelo rosto contraído mas de feições doces e magoadas. O verde da terra chamava-a em surdina, o tapete de vários tons bordado pela mão invisível do Criador estendia-lhe os seus braços eternos de amante sequioso e sempre desperto, a natureza prendia-a com os seus laços únicos que pessoa ou acontecimento algum desmanchavam. Aquele pedaço de chão, cuspido, arremessado, distorcido pela força telúrica era o seu refúgio, a almofada em que deitava a cabeça dorida e cansada, em que afogava toda a tristeza e desespero de uma vida. Ansiava por pisar o areal bem amado, por correr encosta acima e abrir de novo a porta de madeira da casinha encarrapitada numa das falésias abruptas sobre o mar, por escancarar as janelas, abrir de par em par as portadas pesadas há tanto tempo fechadas, e deixar que o cheiro a maresia, a vento, a sal, a gaivotas e andorinhas do mar, a peixe e a sol inundassem as humildes paredes e o seu coração destroçado.
Aos poucos a ilha crescia, as formas femininas, arredondadas ou esguias das montanhas tomavam mais forma, deixavam de ser uma massa difusa para serem um manto de hortênsias floridas, aqui e além salpicadas de azáleas rubras e rosadas, e das rocas, a que ela chamava lanternas chinesas, com o seu colorido inconfundível e adocicado. Lá bem no alto já se apercebiam as copas ondulando ao vento fresco que deste lado da ilha sempre se fazia sentir. E dos seus olhos corriam duas cascatas cristalinas como aquelas outras na sua frente que das alturas se desprendiam lançando as suas águas puras no imenso azul do mar, como era a um tempo bom e duro regressar! A sua ilha, o seu bem amado ninho estava ao alcance da mão, e num momento de insana dor, estende a mão como que querendo tocar, aflorar o solo duro que a viu nascer e crescer, que lhe amparou as quedas de menina, os primeiros passos, o amor feito nas areias macias e escuras entre suspiros e beijos, e as lágrimas de saudade, de desespero e solidão. O motor parou e a ultima onda empurra o barquinho para a areia fazendo-o oscilar ao ritmo da respiração marítima, deixando a imaginação à solta quase que pode sentir o palpitar do corpo escuro e enorme das baleias e dos cachalotes com os quais tantas vezes partilhara as águas. Descalça enterra os pés na areia quente e sente de novo o sangue a percorrer-lhe o corpo, as suas veias dilatam-se, as narinas fremem ao sentir o odor doce das encostas ao qual se mistura o inconfundível aroma do mar. Volta costas ao manto azul-cobalto que a trouxe e encaminha-se para o estreito trilho que a conduzirá à pequena casinha lá no alto, de onde, em dias de limpidez vislumbra as ilhas vizinhas, as irmãs do seu cantinho querido e que ama tanto como ao seu pedaço de chão.
Na bagagem trás as memórias das lagoas paradas e silenciosas, dos mergulhos nas suas águas abissais, dos por do sol nas margens solitárias e belas, de ver o nascer da lua redonda e prateada espelhando-se na superfície mansa e calma, negra e misteriosa, trás a paixão estranha e enfeitiçante que aquelas águas sobre si exerceram, as lendas que ouviu, os sonhos que se atreveu a sonhar com os pés a chapinhar na beira d’água, trás o azul da hortênsias que têm um tom diferente ali. O cantarolar das quedas de água pelos mantos verdejantes, perdendo-se não se sabe onde, mais parecendo ao longe um risco branco num quadro verde e luxuriante, trás o cheiro das flores campestres, e as caminhadas pelas matas, trás as horas de meditação frente aos dedos de lava, a pequenez da sua vida frente à força bruta dos Capelinhos, a tarde que passou a olhar o mar sentada no destroço do farol a inventar a história, a imaginar a natureza em ebulição, as mãos que enterrou na fina escória…Trás um pedacinho de vida de cada vivência passada, mas trás o desejo de abrir de novo as suas janelas sobre aquele azul-cobalto a perder de vista, e de deixar que ventos novos lhe tragam gotas de vida. Quem sabe, ali, de novo, no seu espaço bem amado a vida lhe seja finalmente favorável, mãe em vez de madrasta como até então…
E de novo o azul profundo, o vento salgado, o sol doirado e o pio das aves beijou a casinha perdida na verde fraga sobre a praia de escuras areias e lava endurecida.

segunda-feira, junho 11, 2007

FRUTO DE PAIXÃO


Morde, amor, a madrugada nos desejos incontidos,

nos sussurros, nos beijos, nos nossos corpos despidos.

Morde, amor, a polpa fresca do fruto de amor suado,

das palavras murmuradas ao luar puro e prateado.

Morde, amor, cada suspiro, cada abraço de paixão,

cada sonho, cada momento, cada lágrima de solidão.

Morde, amor, meu corpo nu em tuas mãos desfolhado,

como verde prado imenso de teu amor orvalhado.

Morde, amor, o entardecer na sofreguidão do desejo,

no desassossego da posse, no mais terno e meigo beijo.

Morde, amor, o amanhecer, o luar, o sol poente,

morde o sonho, morde a vida, morde o nosso amor fulgente.

Morde os corpos em união, morde cada contracção,

deixa que a noite nos aconchegue nos braços desta paixão.

DESTAQUE CUPIDO FONTE DE AMOR

Querida Juli, como sempre de uma delicadeza extrema!
Obrigada pelo award e deixas-me a tarefa de nomear 10...Para variar vejo-me aflita já que adoro todos os que visito, mas aqui vão eles, perdoem-me todos os outros.

alquimiadossonhos.blogspot.com/ - O Alquimista
eternidadenummomento.blogspot.com/ - Vlad
pensamentos-da-alma.blogspot.com/ - Igara & Cia
analuar.blogspot.com/ - Ana Luar
coisasdogui.blogspot.com/ - Gui
tascanight.blogspot.com/ - Moinante
pura-m.blogspot.com/ - Helena Nunes
as-poliedro.blogspot.com/ - AS
haflordapele.blogspot.com/ - Collybry
kaliynka.blogspot.com/ - Kalinka

É um previlégio ter-vos como amigos, é um previlégio ler-vos.
A TODOS VÓS - OBRIGADA

domingo, junho 10, 2007

SETE LUARES DE SONHO



No final de cada encontro

há sete mares de solidão,

sete vagas de loucura

sete sonhos em comunhão.

No final de cada encontro

há sete sois de candura,

sete luas de paixão

iluminando o caminho,

este atribulado retalho

da vida em turbilhão.

E neste calado cantinho,

por sete luares beijado,

passa o fogo da paixão

no final de cada encontro

feito de sonhos e solidão.

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...