sábado, junho 30, 2012

PUZZLE DE PALAVRAS

Escrevo como se tivesse uma tesoura mágica nas mãos. Escrevo as letras recortadas do abecedário, juntando as vogais e as consoantes formando palavras com sentido, crescendo em frases que fazem o meu discurso, que traduzem os meus pensamentos, que espelham as minhas memórias feitas de muitos momentos, aos quais recorro muitas vezes. Recorto-as suavemente com a minha imaginária tesoura para que não se estragarem e transcrevo-as para um pequeno caderno. Colo-as com a cola de quem sente e vive, de quem riu e chorou, de quem apenas contemplou e quem activamente participou. Essas linhas já vividas são a escrita da minha própria vida, são o meu percurso traçado a tesoura e cola, como se fosse uma manta de retalhos, um desenho de criança, um puzzle que se vai construindo aos poucos.
A minha escrita é um pedacinho de mim, uma extensão de mim. Escrevo as memórias dos risos, das lágrimas, da gargalhada despreocupada e juvenil, escrevo o sonho e a realidade, a desilusão e a poesia. Assim, se a minha memória me falhar, as minhas recordações mais bonitas e também as menos bonitas, estão todas bem recortadas pela minha  magica tesoura e protegidas nas folhas únicas daquele caderno, fechado a 7 chaves onde só eu posso entrar. E mesmo as memórias menos bonitas prefiro guarda- las só para mim. São tão pessoais e tão minuciosamente recortadas da minha alma, escritas com tanta precisão, que as preservo de olhares e mãos que possam  estragar este trabalho maravilhoso que uma simples caneta um dia soube repassar para as folhas brancas do livro da minha vida.
Esse trabalho de artesão pacientemente elaborado; recorta uma letra, cola, recorta outra e cola, e ainda mais outra e mais outra…E colando, colando sempre, vai fazendo palavra após palavra, frase após frase, compondo a ideia, descrevendo o lugar, dando enfase à situação. Umas vezes ligeira e brincalhona, outras carregadas de dor e tristeza. Mas é a minha escrita, retrato de mim, como se de repente todas as fotografias tivessem sido recortadas aos pedacinhos e as fosse compondo em harmonia numa gigantesca tela colando aqui a praia e as cores de verão, ali as férias de inverno e os agasalhos, os presentes de Natal e a expectativa de criança, depois as expressões de alegria no convívio da escola, as brincadeiras e as arrelias, os amores e desamores de uma vida feita de poeira e infinito, de escolhos e lutas, de bons e maus moemntos, de decisões e indecisões, e no meio das imagens vou escrevendo pequenas notas, datas, pensamentos, frases ouvidas e ditas. Componho aos poucos a minha tela.
Olho-a depois de pronta e interrogo-me; “E agora? Que outras peças vão caber aqui no resto dos anos?” A minha tesoura mágica de momento descansa, tapei o tubo da cola, mas a minha escrita será sempre dividida entre eles. Toda a escrita é feita de pedaços cortados de um imenso painel que a vida nos propõe e coladas nas nossas telas pessoais.

sexta-feira, junho 08, 2012

DESPI-ME DE TI

Um dia vesti-me de ti como se fosses a minha pele,
perfumada e doce, nívea e perfeita.
Um dia vesti-me de sonhos, de eternidade e de mel,
de cumplicidade satisfeita.
Um dia vesti-me de encantos, abri as asas ao sol,
subi leve na aragem, fui pássaro livre, fui girassol,
fui menina, fui mulher, fui tudo o que de mim te dei,
vela enfunada ao vento, caravela em tenebroso mar,
onda mansa pela areia, fui refugio que criei,
fui abrigo, fui espaço aberto para te aninhar.
Um dia despi-me dos sonhos, de ti e dos meus encantos,
despi-me da pele que não é minha, das mãos vazias
sem graça. Deixei as asas, vagueei pelos recantos
da realidade da vida. Vesti-me de cores sombrias,
como a noite de aveludado e acre sabor.
Um dia despi-me do amor.

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...