Como qualquer outro dia, levantou-se abriu a janela, deixou que a leve brisa matinal lhe beijasse o rosto e lavasse os restos da noite mal dormida, das dores de cabeça alucinantes que lhe martelavam as têmporas e a preparasse de alguma forma para mais um dia de lutas internas e externas. Como qualquer outro dia engoliu as lágrimas que enevoavam os olhos escuros e olhou para o espaço apertado que a rodeava, ouviu o canto das rolas e o pipilar dos pardais em busca das migalhas lançadas durante a noite, as sobras minúsculas dos jantares e de quem já tomara o pequeno-almoço aquela hora. Como qualquer outro dia o sossego da manhã a invadia com a sua benevolência e paz, que a aconchegavam nos braços e quase a faziam sentir-se feliz. Como qualquer outra manhã afastou-se da janela, arranjou-se, comeu e fez a cama pronta para encarar de novo a vida de sempre.
Fechou a porta atrás de si e compôs o seu sorriso, com a cabeça vazia de pensamentos e o coração despojado de sentimentos, sentia-se um invólucro, uma concha vazia, onde as funções vitais aconteciam por si só. O trânsito, calmo ainda aquela hora matutina, não lhe prendia a atenção e conduzia como se fosse outra pessoa atrás do volante, deu-se conta de repente que deveria estar a prestar atenção ao que fazia, e mesmo com pouco tráfego tinha que estar atenta. Mas a sua cabeça, para além de doer horrivelmente, estava num outro local, num outro tempo, perdida em memórias que queria abafar e esquecer, arrumar de uma vez e não permitir que lhe perturbassem a vida, Normalmente conseguia empurra-las para o mais fundo de si mesma, mas por vezes parecia que tinham vida própria e impunham-se-lhe como se algo de invisível as atirasse de novo para a sua cabeça, faziam-se vividamente presentes, dolorosamente vivas e actuais. Atravessava um desses momentos, e apercebeu-se disso a tempo. Elevou o som do rádio, trauteando a canção que sabia de cor, e olhou pelo retrovisor, seguindo a evolução do carro que a acompanhava havia algum tempo, mas sem prestar muita atenção ao ou aos ocupantes, apenas viu o carro e as linhas elegantes que seguiam na mesma estrada. Um sorriso mais aberto surgiu-lhe no rosto e as ideias começavam a desanuviar um pouco, a dor parecia estar a abrandar e os olhos retomavam a acuidade normal. Mais uma olhadela rápida pelo retrovisor deu-lhe a conhecer que o veículo seguia à mesma velocidade e que não fazia tensão de ultrapassa-la embora não fosse a uma grande velocidade e por norma naquela recta todos se lançassem para embalar para a subida que se seguia. Fixou de novo a estrada deserta à sua frente, olhou para a serra que amava como se fosse um pedaço seu e abriu mais o vidro do seu lado para aspirar o ar ainda fresco da manhã, quase como se esperasse que o odor característico da serra lhe enchesse as narinas. De repente e surgindo do nada uma vontade imensa de ir até à neblina que docemente cobria a encosta força-a a desviar o seu rumo do emprego e dirigir-se para a serra, sem pensar duas vezes, sem hesitar ou sequer se preocupar com o que diria para justificar a falta, algo a empurrava para o seu refugio mais querido, algo a chamava com uma força à qual não conseguia resistir. Metendo pela estrada velha silenciosa e húmida, vai sem destino certo, vai ante saboreando o cheiro, a humidade que lhe arrepia a pele, as gotas de orvalho que lhe escorrem pelos cabelos, ante gozando o prazer que sempre sente naquele ambiente mágico que aprendeu a amar e desfrutar tantos anos antes, quando ainda era uma jovem mulher com sonhos e pensamentos mágicos, onde tudo o que lera sobre religiões antigas, magia e filosofia se misturavam numa girândola de cores e cheiros, de sentimentos e sonhos que a preenchiam e lhe davam sentido para seguir em frente mesmo que a vida fosse um inferno de desespero e vazio. Estranhamente o carro seguia-a ainda.
Longe da vida e apenas absorvida pela estrada sinuosa, pelo silencio cortado pelo roncar breve do motor do seu carro, e pela ânsia de percorrer as artérias de vida da serra, nada a tocava ou a preocupava, não olhou sequer para o espelho nem para as evoluções que o outro carro atrás do seu, desacelerando quando ela o fazia e puxando por ele ao mesmo tempo que ela. O seu coração batia já ao ritmo da seiva que corria nos velhos e escuros troncos, ao ritmo das pedras milenares com as suas histórias escondidas e segredos bem guardados, os seus olhos viam para além da natureza verde e profunda penetrando no âmago das coisas que a rodeavam. Estacionou onde sempre fazia, trancando o carro e levando a mala com o telemóvel no silêncio para que nada perturbasse aquele momento de comunhão e paz, de felicidade quase intocável. Caminhava olhando as copas que em conciliábulo murmuravam entre si, pisava a musgo e as folhas mortas que aos poucos se transformavam em rico húmus, aos seus olhos a floresta, as pequenas flores silvestres, as gotas de nevoeiro, tinham o brilho, o encanto a magia que sempre lhes conhecera, envolviam-na nos seus braços amorosos e doces como sempre haviam feito, a paz que costumava invadi-la quando ao lado de alguém trilhara pelas primeiras vezes aqueles mesmos caminhos, voltava a preenche-la. Agora de uma forma estranha e diferente, como se um vazio, mas um vazio sem dor, doce, terno, meigo e aconchegante, a envolvesse, a transportasse para um novo horizonte, uma nova perspectiva. Ao seu lado estavam os misteriosos duendes e fadas, todos os pequeninos seres, invisíveis para os olhos e almas que não se deixam levar pela magia, a saudavam como alguém muito amado. O seu coração extravasa e as lágrimas correm pelos olhos, a alma purifica-se naquelas lágrimas, sente-se leve, quase a flutuar…
Uma mão prende o seu braço trazendo-a rápida e brutalmente à terra, olha como que perdida, estremecendo como se um raio a tivesse atingido, como se um cubo de gelo lhe trespasse o coração, os olhos quase loucos e sem verem tentam desesperadamente ver quem a prende. Aos poucos vai acalmando a acelerada frequência cardíaca, a respiração torna-se mais lenta e consegue ouvir através do nevoeiro mental que lhe embota a consciência e os sentidos. A mão que repousa no seu braço húmido de orvalho fá-la despertar do sonho e encarar a realidade; Estranhando o caminho que levava e que a desviara do emprego, resolvera segui-la, encontrando-a naquele estado de semi transe. Sem saber bem o que fazer, o seu chefe resolve fazer-se notado tocando-lhe no braço.
Fechou a porta atrás de si e compôs o seu sorriso, com a cabeça vazia de pensamentos e o coração despojado de sentimentos, sentia-se um invólucro, uma concha vazia, onde as funções vitais aconteciam por si só. O trânsito, calmo ainda aquela hora matutina, não lhe prendia a atenção e conduzia como se fosse outra pessoa atrás do volante, deu-se conta de repente que deveria estar a prestar atenção ao que fazia, e mesmo com pouco tráfego tinha que estar atenta. Mas a sua cabeça, para além de doer horrivelmente, estava num outro local, num outro tempo, perdida em memórias que queria abafar e esquecer, arrumar de uma vez e não permitir que lhe perturbassem a vida, Normalmente conseguia empurra-las para o mais fundo de si mesma, mas por vezes parecia que tinham vida própria e impunham-se-lhe como se algo de invisível as atirasse de novo para a sua cabeça, faziam-se vividamente presentes, dolorosamente vivas e actuais. Atravessava um desses momentos, e apercebeu-se disso a tempo. Elevou o som do rádio, trauteando a canção que sabia de cor, e olhou pelo retrovisor, seguindo a evolução do carro que a acompanhava havia algum tempo, mas sem prestar muita atenção ao ou aos ocupantes, apenas viu o carro e as linhas elegantes que seguiam na mesma estrada. Um sorriso mais aberto surgiu-lhe no rosto e as ideias começavam a desanuviar um pouco, a dor parecia estar a abrandar e os olhos retomavam a acuidade normal. Mais uma olhadela rápida pelo retrovisor deu-lhe a conhecer que o veículo seguia à mesma velocidade e que não fazia tensão de ultrapassa-la embora não fosse a uma grande velocidade e por norma naquela recta todos se lançassem para embalar para a subida que se seguia. Fixou de novo a estrada deserta à sua frente, olhou para a serra que amava como se fosse um pedaço seu e abriu mais o vidro do seu lado para aspirar o ar ainda fresco da manhã, quase como se esperasse que o odor característico da serra lhe enchesse as narinas. De repente e surgindo do nada uma vontade imensa de ir até à neblina que docemente cobria a encosta força-a a desviar o seu rumo do emprego e dirigir-se para a serra, sem pensar duas vezes, sem hesitar ou sequer se preocupar com o que diria para justificar a falta, algo a empurrava para o seu refugio mais querido, algo a chamava com uma força à qual não conseguia resistir. Metendo pela estrada velha silenciosa e húmida, vai sem destino certo, vai ante saboreando o cheiro, a humidade que lhe arrepia a pele, as gotas de orvalho que lhe escorrem pelos cabelos, ante gozando o prazer que sempre sente naquele ambiente mágico que aprendeu a amar e desfrutar tantos anos antes, quando ainda era uma jovem mulher com sonhos e pensamentos mágicos, onde tudo o que lera sobre religiões antigas, magia e filosofia se misturavam numa girândola de cores e cheiros, de sentimentos e sonhos que a preenchiam e lhe davam sentido para seguir em frente mesmo que a vida fosse um inferno de desespero e vazio. Estranhamente o carro seguia-a ainda.
Longe da vida e apenas absorvida pela estrada sinuosa, pelo silencio cortado pelo roncar breve do motor do seu carro, e pela ânsia de percorrer as artérias de vida da serra, nada a tocava ou a preocupava, não olhou sequer para o espelho nem para as evoluções que o outro carro atrás do seu, desacelerando quando ela o fazia e puxando por ele ao mesmo tempo que ela. O seu coração batia já ao ritmo da seiva que corria nos velhos e escuros troncos, ao ritmo das pedras milenares com as suas histórias escondidas e segredos bem guardados, os seus olhos viam para além da natureza verde e profunda penetrando no âmago das coisas que a rodeavam. Estacionou onde sempre fazia, trancando o carro e levando a mala com o telemóvel no silêncio para que nada perturbasse aquele momento de comunhão e paz, de felicidade quase intocável. Caminhava olhando as copas que em conciliábulo murmuravam entre si, pisava a musgo e as folhas mortas que aos poucos se transformavam em rico húmus, aos seus olhos a floresta, as pequenas flores silvestres, as gotas de nevoeiro, tinham o brilho, o encanto a magia que sempre lhes conhecera, envolviam-na nos seus braços amorosos e doces como sempre haviam feito, a paz que costumava invadi-la quando ao lado de alguém trilhara pelas primeiras vezes aqueles mesmos caminhos, voltava a preenche-la. Agora de uma forma estranha e diferente, como se um vazio, mas um vazio sem dor, doce, terno, meigo e aconchegante, a envolvesse, a transportasse para um novo horizonte, uma nova perspectiva. Ao seu lado estavam os misteriosos duendes e fadas, todos os pequeninos seres, invisíveis para os olhos e almas que não se deixam levar pela magia, a saudavam como alguém muito amado. O seu coração extravasa e as lágrimas correm pelos olhos, a alma purifica-se naquelas lágrimas, sente-se leve, quase a flutuar…
Uma mão prende o seu braço trazendo-a rápida e brutalmente à terra, olha como que perdida, estremecendo como se um raio a tivesse atingido, como se um cubo de gelo lhe trespasse o coração, os olhos quase loucos e sem verem tentam desesperadamente ver quem a prende. Aos poucos vai acalmando a acelerada frequência cardíaca, a respiração torna-se mais lenta e consegue ouvir através do nevoeiro mental que lhe embota a consciência e os sentidos. A mão que repousa no seu braço húmido de orvalho fá-la despertar do sonho e encarar a realidade; Estranhando o caminho que levava e que a desviara do emprego, resolvera segui-la, encontrando-a naquele estado de semi transe. Sem saber bem o que fazer, o seu chefe resolve fazer-se notado tocando-lhe no braço.
9 comentários:
Querida,
Hoje nao te li, vou voltar....mas quero hoje te deixar mil beijos com carinho e te agradecer por cada palavra que me enche o coracao.
Obrigado!
Mil beijos
Rachel
que final terrível...merecia um final melhor!
a ideia é o insólito mesmo...Porque não o chefe???
Querida amiga,
Entre o nevoeiro dos pensamentos,entre a corrida com as emoções, entre o despertar para a realidade.
Ela viveu um momento mágico,no lugar que a tira do céu e lha dá asas e a deixa voar.
Como sempre tuas Historias São maravilhosas.
Minha querida, desejo que o sol da felicidade te ilumine a tua semana.
Mil beijos com carinho
Rachel
Tuas narrativas são sempre deliciosas de ler. As palavras fazem-nos sentir emoções...
Adoro ler-te!
BjO´ss
AL
Minha querida,
Venho saber como estas?
se o sol da alegria e felicidade te anda acompanhar, e se os anjos te estao a guardar.
Deixo te mil beijos com carinho
Rachel
Em dias normais é que aconece coisas extraordinárias. Lindo texto. Beijos doces.
Só, sou ilha plantada no Oceano
Açoitada por ventos de paixão
De manto verde me deito em seu colo
Esperando descobrir na bruma o rosto da contradição
Descobri uma singela e simples coisa
No meio daquilo que pensei ser mágoa
Que depois de separar o sal de uma lágrima
Ficou este ser feito de...Agua...
Doce beijo
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