segunda-feira, junho 29, 2009

TROVOADA

Provavelmente não irá saber o que a acordou, aliás como é normal; Se o calor da noite, se a trovoada longínqua mas persistente como um ronronar surdo, se a chuva miúda e certa se as saudades que lhe roem o peito. O certo é que mais uma vez acordou e ainda é noite fechada.

Descalça foi à janela, abriu-a de par em par e deixou que a brisa fresca da noite lhe percorresse o corpo coberto pela translucida camisa de noite que lhe disfarçava as formas femininas. A aragem morna e o silencio apenas cortado pelo trovão ao longe enchiam-na de uma paz magoada que não sabia descrever. Na sua mesa de cabeceira repousava o diário aberto e a caneta, as palavras que ensaiara escrever para extirpar a dor, para arrancar aquele espinho eternamente cravado no seu coração e que não cessava de fazê-lo sangrar, eram como conchas vazias rolando na espuma da maré. Nada!Nem uma única palavra traduzia a amálgama de sentimentos que a assolavam. A noite carregada de nuvens ameaçadoras tinha uma estranha luminosidade, a luz da lua brilhava pardacenta por trás da densa cabeleira de nuvens emprestando ao ar aquela fulguração esquisita, amarelada, acobreada e algo rosada que caía do céu como um manto. O silêncio era absoluto! Nem o restolhar das aves nos ninhos, nem o pio de algum mocho ou ave nocturna, nem as folhas pareciam mexer-se. Nada bulia, era como se o mundo se tivesse imobilizado naquele instante, cristalizado, transformado em pedra por alguma Circe desconhecida que rondasse as estradas desertas e os perdidos caminhos dos homens.

Debruçada na janela deixava-se embalar pela morna brisa que lhe deixava os cabelos em desalinho e a percorria como uma carícia doce e suave. Os olhos fechados e o coração longe...Muito longe...Em outras noites, noutros braços bem mais reais que os do vento, noutras carícias mais ternas que as de uma noite de verão onde a chuva quente lhe encharcava a delicada camisa colando-a à pele. E o sonho, a dor, a ausência, o desejo de ter o que jamais teria, o que jamais seria seu, inundavam-lhe a alma subindo aos poucos, apertando-a, estrangulando-a como uma cobra traiçoeira num abraço fatal. O espinho cravava-se mais um pouco no seu coração e a dor tornava-se mais forte, dos olhos teimosamente cerrados desciam pesadas gotas que se juntavam às lágrimas vindas do céu. A tristeza do alto era como um xaile que lhe dava abrigo, que a escondia no seu seio e lhe dava de certa forma conforto. Tal como ela a natureza chorava, tal como ela a natureza estava ferida, magoada, só. Aquele silencio que o ribombar ainda manso e distante do trovão cortava fazia o seu peito elevar-se num espasmo cadenciado que aos poucos ia aliviando a amargura que, de certo, fora a causa do seu despertar e de mais outra noite de insónia. As sua lágrimas sentidas e quentes caiam junto com a chuva morna nas pedras da calçada engrossando a bátega que caía agora com mais força deixando-a de cabelos ensopados e a camisa totalmente colada à pele. Parecia nada sentir, entregava à noite a sua dor, a sua imensa dor que jamais confessava, que jamais dizia a extensão, o tamanho, o rasgão profundo que na sua vida havia sido feito.


A trovoada estava agora bem mais próxima e um relâmpago forte e brilhante risca o céu pardacento fazendo-a abrir os olhos e desfrutar do espectáculo. O ar ficou impregnado daquele cheiro característico das descargas eléctricas em tempo de chuva e por momentos a sua atenção elevou-se para o Alto, para aquela demonstração de força da natureza, tomou como que consciência do tamanho ridículo da sua dor, da sua própria pequenez frente a uma força como aquela. A dor abrandou, deixou-se tocar. E dos seus lábios um breve murmúrio se elevou que a aragem morna e as gotas de chuva quente levaram até se perder; Obrigada, obrigada!


5 comentários:

Anónimo disse...

Que saudades que eu tinha destas lindas histórias. Felizmente reencontrei o caminho do teu blog no Lágrimas e Sorrisos da Juli Ribeiro. Já não te vou perder de novo. Um beijo.

Whispers disse...

Querida Amiga!

Sempre me encantou as tuas Historias

Um pouco de magoa,um pouco de dor,um pouco de tristeza,mas sempre muito amor

Um beijo grande com saudades
Rachel

Whispers disse...

Minha querida amiga!

Resolvi ir de Ferias,ver se me encontro,porque ando meia perdida


Obrigado pelas tuas sempre lindas palavras,me faz bem te ler,me faz bem saber que mesmo sem me conheceres me compreendes
Desejo que tenhas um bom fim de semana

E te deixo mil beijos com amizade e carinho
Rachel

Valdemir Reis disse...

Olá passando e compartilhando:
O valor da amizade?
“Quantas vezes são os amigos que nos fazem sorrir quando tínhamos vontade de chorar, mas a sua simples presença traz de volta o sol a brilhar em nossa vida.
Entretanto, não existe só alegria, amor, felicidade nesta relação que como em qualquer outro relacionamento, passa por crises passageiras, por momentos intempestivos, abalos ocasionais.
Podemos comparar esse elo de amizade ao tempo que passa por alterações climáticas constantemente, mas é dessa forma que aprendemos a nos conhecer, compartilhar momentos, que se desenvolve uma amizade.
É na amizade verdadeira que encontramos sinceridade, lealdade, afinidade, cumplicidade, simplicidade, fraternidade.
Amigos são irmãos que a vida nos deu para caminhar conosco ao longo da nossa jornada espiritual, extrapolando os limites do tempo, continuando quando e onde Deus assim o permitir.” Autora: Sandra Q. Nogueira
Permita deixar um recado o nosso Blog www.valdemireis.blogspot.com foi indicado para participar do “CONCURSO TOP BLOG CATEGORIA VARIEDADES”. Fique a vontade. Honrado e feliz, antecipadamente agradeço por sua visita e voto, meu muito obrigado!!! Desejo um ótimo fim de semana, muitas bênçãos, paz, saúde e proteção, brilhem sempre! Fique com Deus. Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Sucesso.
Valdemir Reis

jo ra tone disse...

Belo e sentimental poema
como sempre.
Tudo bem?
Beijinhos

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...