segunda-feira, julho 13, 2009

AVÓ

- “Avó…Conta uma história…”
- “ Estou cansada minha querida…” – De olhar perdido no verde do jardim a velha senhora acariciava distraída a cabeça morena que no seu colo repousava e deixava que as memórias se fizessem palavras e essas se apresentassem como histórias, onde o real e o imaginário se enlaçavam harmoniosamente. Muito lentamente a voz doce elevou-se na morna brisa da tarde embalando o sonho e despertando a imaginação:
- “ Há já muito tempo numa cidade grande e luminosa uma jovem determinada e sedenta de descobrir, iniciou uma caminhada que a levaria longe, muito longe. Ultrapassados os vinte anos havia alguns, a vida chamava-a com força, a aventura espicaçava-lhe o ânimo e o desejo de descobrir novos mundos era uma constante da sua vida. As culturas, os povos, os costumes, tudo o que fosse diferente a prendia e encantava, lhe lançava apelos mudos. A condição económica não era desafogada e como tal não se podia dar ao luxo de empreender viagens a seu belo prazer, tinha que se contentar com uma viagem grande por ano, quando podia, e escolher o melhor possível o seu destino de férias. Mas, a decisão era sempre tão difícil!
Já conhecia parte da Europa, a Ásia e a África continuavam a acenar-lhe de longe, o apelo intenso que sentia por aquelas culturas crescia a cada ano que passava, e dizia de si para si que não morreria sem ver, pisar o solo, perceber, experimentar, conhecer aquele mundo novo. Um dia, numa festa de aniversário de uma grande amiga, é-lhe reapresentado um familiar dela, o padrinho, um homem alto bem constituído, de rosto aberto e olhar penetrante, bem-falante e de sorriso sempre pronto nos lábios. Chegara havia horas de mais uma viagem de trabalho e viera directamente para os anos da afilhada que não via havia vários anos. Diplomata de profissão, as viagens e os contactos eram a sua vida. Depois de cumprimentar efusivamente a afilhada e os pais e de ter sido apresentado a uns quantos amigos destes, dos quais ela fazia parte como visita da casa, acabara por se ir sentar perto de uma das portas de acesso ao jardim a conversar com o compadre. As duas raparigas riam e conviviam com o grupo mais jovem e a tarde ia-se passando entre brincadeiras e jogos, entre memórias e musica, entre as escapadelas furtivas dos namorados pelo jardim. As mesas postas dentro e fora de casa, davam espaço para que as pessoas circulassem sem serem obrigadas a conviver e os grupos estavam formados entre agindo com graciosidade e à vontade.
O calor dentro de casa embora as janelas e portas estivessem abertas empurrava de quando em vez as pessoas para os bem cuidados jardins e para o lago. Deixando o seu copo sobre uma das mesas e aproveitando um momento de sossego, Inês desce ao jardim deleitando-se com a brisa morna e evitando os grupos ruidosos que por ali se espalham e os pares escondidos nas pérgulas bem cuidadas. Os seus passos no cascalho soavam cadenciados em direcção a um dos seus lugares favoritos, onde sempre que lhe era permitido, passava horas deliciosas; O Roseiral. Lá o velho jardineiro negro desfiava histórias de rosas e flores, de lágrimas e sorrisos, de outra vida de outro continente, de uma outra realidade que a deixava a sonhar. Para lá se dirigiu sem pressas aspirando o perfume dos lilazeiros e dos buchos bem aparados. O Roseiral tinha sido um presente pelo nascimento da amiga que o pai fizera à esposa, que adorava rosas, e por cada ano de vida da filha uma nova roseira de uma espécie diferente era plantada. Havia-as de todas as cores, trepadeiras, miniaturas, arbustos, exóticas e comuns. Era um espaço muito especial e mágico para Inês, que desde que se lembrava ia sempre ver qual a nova roseira que tinha sido plantada, ao contrário da amiga que não ligava nenhuma aquele espaço.

O velho Bernardo lá estava, dir-se-ia que à sua espera, de chapéu de palha nas mãos calosas e negras, e sorriso franco aberto no rosto, para prender nas suas mãos grandes as mãos da jovem macias e brancas e leva-la como se de uma menina se tratasse a visitar o seu palácio encantado, feito de pétalas e aromas delicados. Inês deixou-se conduzir, como sempre pelo velho negro e deixou-se embalar de cabeça nem sabia bem onde, pelas histórias. Numa volta de um dos caramanchões feito de rosas alaranjadas docemente perfumadas, dão de caras com o padrinho da amiga que em silêncio passeava pelo Roseiral. Bernardo cumprimenta o senhor com uma alegria estampada no enrugado rosto e explica que muitas das rosas que encantam e deliciam Inês foram por aquele senhor, que ele trouxera ao colo, enviadas e que sempre que visita a casa vai, tal como ela, visita-lo e o jardim.

Embaraçada e sem saber o que dizer, apanhada de surpresa, sorri sem dizer palavra, e continuam os três o passeio calmo ouvindo a voz quente e cadenciada do negro. De vez em quando o homem olha-a com admiração ao ouvi-la, já esquecida da sua inibição do inicio e mostrando a espontaneidade natural em si. De repente dirige-lhe a palavra para lhe dizer: - “Desculpe, mas não captei a sua graça”. - “Chamo-me Inês, Dr. Medeiros”. – “Por favor Inês, trate-me como todos nesta casa por Filipe! Posso fazer-lhe uma pergunta?” – “Claro que sim, diga…” – “ A Inês há quanto tempo conhece o Bernardo e a minha afilhada? Onde tem estado escondida estes anos todos que nunca a vi?” Com uma gargalhada das suas a rapariga responde-lhe: - “ Dr.…. Desculpe, Filipe, mas eu tenho estado sempre cá nos anos da Joana, sou visita da casa desde criança, nos últimos anos é que não estive presente enquanto estava a acabar o curso e em estágio, mas…Sempre estive por cá. Conheço o Bernardo desde menina e andei ao colo dele vezes sem conta…Recorda-se do burrinho russo que a Joana teve de presente e que tinha duas cestas? Pois eu e ela e o Bernardo claro para tomar contas das “marias rapaz”, éramos a carga do pobre animal durante as tardes de verão.” O olhar profundo bem nos seus olhos e a gargalhada cristalina estremeceram o ar naquele instante. – “ Pelo que percebo você tem uma sede imensa de saber. A Inês licenciou-se em quê?” – “Humanísticas e Línguas”. – “ E actualmente, para além das rosas e das histórias do Bernardo e dos anos da Joana, faz o quê, posso inquirir?” O sorriso foi morrendo aos poucos no rosto da jovem e Filipe apercebeu-se que não deveria ter feito a pergunta por isso apressou-se a dizer: - “Desculpe Inês, não queria de modo algum perturba-la e muito menos estragar-lhe o dia, esqueça por favor a pergunta.” – “ Não, não se preocupe, não tem mal algum. De momento procuro alguma coisa que seja mais próxima de mim, o emprego que tinha acabou e como tal estou em busca, mas agora, se me fosse possível, gostaria de ter hipótese de me «fazer crescer» se entende o que quero dizer.” Um aceno ligeiro de cabeça foi a resposta....

(Continua)

1 comentário:

Whispers disse...

Minha Querida Amiga!
Muitas vezes o importante mesmo e crescer.

Se passa uma vida a viver a vida,na procura do que?!!,muitas vezes nao sabemos,mas na procura do que,acabamos por esquecer de crescer.

Querida,tua escrita e maravilhosa,teus contos dizem para alem do que escreves,fazem sonhar e imaginar o tal jardim cheio de flores,onde uma menina se fez mulher, e de certeza se apaixonou.

Obrigado pelas tuas palavras deixadas no Whispers,quero que saibas que elas me fazem bem a alma,sao um abraco,um carinho que neste momento estou precisando

Desejo que tua semana seja de paz luz e amor
beijinhos de uma amiga distante mais amiga
Rachel

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...