Escrevo como se tivesse uma tesoura mágica nas mãos. Escrevo as letras recortadas do abecedário, juntando as vogais e as consoantes formando palavras com sentido, crescendo em frases que fazem o meu discurso, que traduzem os meus pensamentos, que espelham as minhas memórias feitas de muitos momentos, aos quais recorro muitas vezes. Recorto-as suavemente com a minha imaginária tesoura para que não se estragarem e transcrevo-as para um pequeno caderno. Colo-as com a cola de quem sente e vive, de quem riu e chorou, de quem apenas contemplou e quem activamente participou. Essas linhas já vividas são a escrita da minha própria vida, são o meu percurso traçado a tesoura e cola, como se fosse uma manta de retalhos, um desenho de criança, um puzzle que se vai construindo aos poucos.
A minha escrita é um pedacinho de mim, uma extensão de mim. Escrevo as memórias dos risos, das lágrimas, da gargalhada despreocupada e juvenil, escrevo o sonho e a realidade, a desilusão e a poesia. Assim, se a minha memória me falhar, as minhas recordações mais bonitas e também as menos bonitas, estão todas bem recortadas pela minha magica tesoura e protegidas nas folhas únicas daquele caderno, fechado a 7 chaves onde só eu posso entrar. E mesmo as memórias menos bonitas prefiro guarda- las só para mim. São tão pessoais e tão minuciosamente recortadas da minha alma, escritas com tanta precisão, que as preservo de olhares e mãos que possam estragar este trabalho maravilhoso que uma simples caneta um dia soube repassar para as folhas brancas do livro da minha vida.
Esse trabalho de artesão pacientemente elaborado; recorta uma letra, cola, recorta outra e cola, e ainda mais outra e mais outra…E colando, colando sempre, vai fazendo palavra após palavra, frase após frase, compondo a ideia, descrevendo o lugar, dando enfase à situação. Umas vezes ligeira e brincalhona, outras carregadas de dor e tristeza. Mas é a minha escrita, retrato de mim, como se de repente todas as fotografias tivessem sido recortadas aos pedacinhos e as fosse compondo em harmonia numa gigantesca tela colando aqui a praia e as cores de verão, ali as férias de inverno e os agasalhos, os presentes de Natal e a expectativa de criança, depois as expressões de alegria no convívio da escola, as brincadeiras e as arrelias, os amores e desamores de uma vida feita de poeira e infinito, de escolhos e lutas, de bons e maus moemntos, de decisões e indecisões, e no meio das imagens vou escrevendo pequenas notas, datas, pensamentos, frases ouvidas e ditas. Componho aos poucos a minha tela.
Olho-a depois de pronta e interrogo-me; “E agora? Que outras peças vão caber aqui no resto dos anos?” A minha tesoura mágica de momento descansa, tapei o tubo da cola, mas a minha escrita será sempre dividida entre eles. Toda a escrita é feita de pedaços cortados de um imenso painel que a vida nos propõe e coladas nas nossas telas pessoais.
Olho-a depois de pronta e interrogo-me; “E agora? Que outras peças vão caber aqui no resto dos anos?” A minha tesoura mágica de momento descansa, tapei o tubo da cola, mas a minha escrita será sempre dividida entre eles. Toda a escrita é feita de pedaços cortados de um imenso painel que a vida nos propõe e coladas nas nossas telas pessoais.