Apesar das paredes, o frio arreganha-se no corpo,
apesar das janelas, a noite embrenha-se nos olhos,
apesar do querer, o vazio instala-se sem escolhos,
como caminho de verdes silêncios e ocres madrugadas.
Apesar dos botões, as flores mantêm-se enrugadas
no limbo da vida, que se encontra suspensa, em espera.
Apesar do nascente sol, a lua renasce, como rainha: impera.
Apesar dos passos, das mãos, do desejo, a vida corre,
respira suavemente, como quem sonha, como quem morre,
como quem passa, como quem fica, como quem parte
deixando um rasto de estrelares memórias. Meu baluarte
de guerreiras sombras, onde me entrincheiro;
guerreira-amante,
mendiga, descalça nas pedras de um cais obsidiante,
de onde partem navios sem mastro. Botes sem leme,
sonhos sem fundo, onde o salgueiro treme
nas vagas de vento, soltas em brados, em euforia.
Apesar das paredes, o frio entranha-se em correria.
Amortalha o corpo, enfeitiça a alma, veste o coração.
Apesar das paredes: a "casa" permanece em esburacada desilusão.
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