“Como se pode ser assim”?
Era esta a pergunta que ainda ecoava nos seus ouvidos à medida que seguia com cuidado as curvas apertadas da estrada, que fizera vezes sem conta. A precisão das voltas no volante obrigavam-na à concentração mas o seu cérebro corria a mil à hora pelos acontecimentos últimos a que estivera sujeita.Com uma história de vida complicada, senhora de uma vontade forte e de uma força que muitas vezes desconhecia, Madalena, refugiara-se havia muitos anos atrás numa mascara que jamais havia posto em causa, sempre utilizara e achara que tinha toda a razão de ser. Desde cedo a vida a empurrara para resolver problemas sozinha e apresentar soluções. As questões sobre como o fizera, como ficara e o que lhe fora exigido jamais haviam sido colocadas, e quando o eram a sua preocupação máxima era a de não mostrar o quão frágil era, e sempre pelo contrário mostrar a face de uma rapariga forte, com capacidade para aliviar os outros e seguir em frente sempre sem dúvidas, sem medos, apenas com certezas e boas resoluções. Aí começara sem que se apercebesse a sua faceta mentirosa. Mentia porque era insegura e não admitia, mentia porque não mostrava que precisava de ajuda e que era nova demais para ter aos ombros tamanho peso, mentia porque se mostrava sempre bem e no fundo cavava em sim um fosso que anos mais tarde iria ser um grave problema com o qual iria ter que lidar igualmente só. Cresceu, os anos passaram, as responsabilidades aumentaram e as exigências igualmente, o seu espaço pessoal era reduzido, mas a necessidade de o ter para se manter lúcida crescia com o rodar dos tempos. Mais uma vez sem se dar conta do que fazia, alargou a mentira, fê-la sua amiga para todas as ocasiões. Mentia porque precisava de explicação para alterar o seu horário, mentia porque a pressionavam com coisas que não queria fazer, mentia porque se intrometiam no espacinho minúsculo que aos poucos ia conseguindo. Mentia porque idealizava uma vida que jamais teria. Mentia aos outros mas muito mais a si própria. Um dia deixou entrar na sua vida alguém muito especial, alguém que a tocava profundamente e em quem suscitara um sentimento e uma entrega ideal que na vida jamais existe. Ninguém é totalmente claro, totalmente sincero e mostra tudo sem restrições de si próprio. No entanto ver uma criança crescer e dar-se inteiramente tem os seus riscos; Esse ser admira-a, faz dela o seu ídolo a pessoa ideal que quer ser quando crescer…”Quero ser como tu, mesmo!”. Um dia esse mundo de fantasia quebra-se, desmorona-se e torna-se um inferno entre ambas. A desconfiança permanente destrói uma e arrasa a outra. O relacionamento lindo, espontâneo, forte e doce, único e idílico perde toda a sua magia todo o seu encanto. A pressão que exerce sobre Madalena é cada vez maior e mais insuportável; Por um lado não quer destruir mais nada do que já destruiu, por outro a sua constante necessidade de fugir de não permitir que saibam nada de si, da sua vida que é complicada e estranha, das suas fraquezas e dos seus medos, das suas quedas, empurram-na sempre e mais para a mentira, umas após outras numa luta inglória para ter sossego, espaço para ser o que é. Uma mulher estranha, isolada e virada para si que se esconde na entrega aos outros para não pensar em si, nas suas coisas, na sua própria vida. O resultado é um desconforto e um relacionamento deteriorado a cada instante que passa. Dói-lhe a desconfiança da filha que adoptou, daquela mulher que a acompanha na vida e que viu crescer e desenvolver-se, de quem tem inúmeras provas de afecto de carinho de apoio, caminham juntas desde que ela nasceu conhecem-se na perfeição e isso tem duas faces. Por um lado ajuda nos momentos mais difíceis de ambas, por outro permite com muito pouco saberem o que se passa.
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