As nuvens negras escondiam um sol ainda estival que se atrevia de quando em vez a espreitar tímido por entre as suas rivais e grossas oponentes. Uma ligeiríssima brisa agitava os cabelos ainda mal penteados da figura que, muito quieta, olhava o céu. O leve camisão que lhe cobria o corpo maduro, não escondia as formas, nem as revelava na totalidade, apenas insinuava o corpo meio reclinado no cadeirão de repouso que naquela manhã, silenciosamente, olhava o espectáculo que sobre a sua cabeça corria. Ao sabor das nuvens carregadas iam os seus pensamentos, igualmente grossos, negros, tristes e desolados. Parecia que a vida já não tinha sabor, era uma imensidão de dias sucedendo a dias, perfazendo semanas a suceder a semanas e meses a meses. Sorria, brincava, vivia, mas o seu coração e alma eram tão negros e chuvosos, como aquelas nuvens que ameaçavam o poder e força do sol de verão. Calava e seguia. Plena de memórias, plena de tristeza pelo tempo que sabia jamais voltaria a viver. Mas a vida não se compadece de amores e desamores. A vida tem um rumo, tem uma meta e um caminho, compete a cada um seguir o seu por mais duro que seja... É o seu.
Mas aquele momento em que a natureza aninhava nos seus braços e ao de leve tocava aquela alma dorida, quase colocava um sorriso, ainda que fugidio, no rosto que olhava as nuvens e sem se aperceber pedia ao sol que tivesse força para as furar e vibrar alegre e quente no céu. O astro rei por vezes fazia-lhe a vontade e de manso vinha beijar-lhe o rosto, aquecer o corpo, tocar-lhe os pés nus acariciar-lhe as formas. De olhos semicerrados nesses breves momentos as memórias eram céleres. percorriam-na velozes como bravios cavalos correndo à desfilada;
- Um outro sol quente e bem alto num céu azul, uma brisa do mar que lhe enchia as narinas de maresia e sal. Almoços, jantares, caminhadas e risos, momentos de paz e comunhão. E outros céus onde o cinzento imperara e a chuva se fizera sentir, os cheiros do campo orvalhado pelas manhãs de outono. Os cheiros das cidades, o bulício das ruas, a pressas das horas. A urgência das noites, a calma das manhãs de preguiça sem horários para cumprir...
O sol escondeu-se envergonhado de ter provocado tamanha dor naquele rosto por onde agora escorriam dois regatos salgados de memórias magoadas que jamais voltariam a repetir-se. As nuvens negras rebentaram soltando as suas gotas, acompanhando num súbito silencio da natureza os ligeiros soluços que sacudiam o corpo agora dobrado sobre si mesmo.
A chuva caía finalmente, a dor fluía finalmente sem restrições, jorrava como ferida aberta naquele coração destroçado e alma sem cor. Em uníssono ambos choravam um amor perdido.
2 comentários:
Este é um texto que me deixam sem palavras, li e reli, fiquei emocionada e as palavras não saem.
Boa semana minha querida.
Beijinho e uma flor
Tudo o que escreves transpira sensibilidade e imaginação que me sufoca absorta no que transmites.
Meus aplausos de pé!
ZCH
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