domingo, agosto 31, 2014

NOITE DE VENTANIA


Sopra um vento frio de outono na noite de um verão estranho,
como estranho é este vazio louco onde o silencio clama em brados.
Sopra um vento, desolado vento, bramindo num rugido tamanho
que assusta a noite, que assusta o riso e a lágrima e os mantém calados,
amarfanhados e doridos, pequenos, efémeros e desvalidos.
E sempre o vento grita em duros rugidos!

Sopra pela noite esta ventania, grita, agita-se, raivosa e louca,
contrasta com o mortal silencio da sala sem cor nem luz.
Lá fora a luta bruta e desmedida, aqui a falsa calma mortalmente oca.
Sopra a ventania nesta noite escura onde só a dor reluz.
Pode o vento traduzir um coração despedaçado?
Pode ser ele a voz de um amor amordaçado?

Sopra um vento frio de outono nesta aveludada noite de verão,
as estrelas são luzeiros longínquos no manto celeste de azul profundo,
tudo se agita sob as mãos agrestes do vento sem tréguas nem compaixão.
Aqui grita o vento mordendo este silencio duro com o peso do mundo,
com o peso da vida. Aqui estrebucha o vento em derradeira agonia,
como se a vida já tivesse sido vivida em demasia.

Sopra um vento agreste e duro nesta noite de negro e desolado verão.
Sopra um vento glaciar dentro deste coração.

terça-feira, agosto 19, 2014

MUSGOS DO TEMPO




Há sombras roxas no olhar de quem espera,
e há cordas que amarram o coração dorido.
Há memórias contidas que o tempo desespera,
e vazios loucos nos sentimentos feridos.

Há estrelas que se apagam no céu nocturno
vestido de negro e macio veludo.
Há sonhos que fenecem neste tom taciturno
que nada altera, apenas se mantém mudo.

Há uma estátua de sal crestada pela ausência
que nada mais faz que estimular a dormência
dos dias que passam sem tom nem vida.
Há uma luz ténue que já não é dividida,
e que teima em agitar as dobras do esquecimento,
como se fosse um sussurrado lamento.

Há muros cobertos de musgo verde,
que rego com lágrimas de salgada dor.
Há névoas esvoaçantes onde o olhar se perde
como se quisesse recobrar a cor.

Há lamentos suspensos, calados,
nos lábios secos de beijos por trocar.
Há passos morrendo em caminhos cansados
de todas as dores, de todas as mágoas a torturar.

segunda-feira, agosto 11, 2014

A TEMPESTADE E O PIANO...

    As notas caiam dos dedos ao piano como as bátegas de chuva lá fora naquele intenso fim de tarde. Eram chuvas de verão, o odor da terra encharcada chegava docemente às narinas fermentes e ansiosas, e o rosto oscilava entre as expressões de uma mágoa contida e um meio sorriso de boas memórias. Pela janela aberta o som da trovoada em aproximação combinava na perfeição com os acordes habilmente dedilhados nas teclas negras e brancas. A chuva ensopava a terra e lavava as dores e as tristezas, limpava o ar deixando-o com os perfumes adocicados das flores. E a composição à desfilada jorrava das mãos brancas e esguias como se a trovoada se tivesse abatido nelas e as obrigasse a compor, a saltitar de tecla em tecla, a não parar. Como se aquela música fosse o balsamo que faltava. Como se a música quisesse deixar beijos de perdão, de ternura e de mansidão nas nuvens altas e negras que entrechocavam rasgando-se em mil raios.
   O rosto da mulher ao piano encontrava espelho nas evoluções da natureza lá fora. Ora contrito como os relâmpagos que ribombavam no  ar pesado e abafado, ora leve como as gotas de chuva que pingavam do beiral. E a música, aquela doce e meiga música que embalava a alma, que punha cor nos céus, como se um pintor louco se atrevesse a dar rápidas pinceladas no negrume do crepúsculo. As lágrimas desciam suaves pelas faces já marcadas pelos anos, e molhavam as mãos imparáveis que acariciavam o piano. Nada parecia entrar ou quebrar este quadro, esta perfeita simbiose entre a musica e a tempestade, entre a dor e a natureza a purificar. A sala foi ficando mais escura, a chuva ora abrandava ora se intensificava, e a trovoada parecia não querer abandonar o local, e ao despique rivalizava em tom com as notas cristalinas arrancadas ao piano.
   Absorta nos seus pensamentos e na vida que fazia acontecer sob os dedos, a mulher oscila ao som que ela própria cria, entregue à sua dor, à sua mágoa e tristeza, vai-e deixando levar pela tempestade que a acompanha do lado de fora da janela... Agora os acordes são doces e mansos como se o temporal interior se estivesse a dissipar, a abrandar e a paz aos poucos tomasse conta daquele corpo, daquele coração e alma. Lá fora a trovoada dissipou-se, a chuva é apenas uma leve poalha odorosa. As mãos cansadas da luta que travaram, aos poucos vão-se abandonando e rendendo à calma e quase felicidade do momento. A chuva calou-se, e por entre as nuvens uma lua brilhante e redonda espreita a mulher adormecida sobre as teclas do piano, os cabelos soltos semi-escondem o rosto marcado pelos regatos que ainda escorrem dos olhos fechados...
   A tempestade de verão chegou ao fim e a noite silenciosamente tomou conta do espaço...



quinta-feira, agosto 07, 2014

ENTRE ÁGUAS






Escrevo à rédea solta, à desfilada, 
escrevo como cavalo louco em corrida desvairada.

Hoje eu sou a tempestade e a calmia,
assolam-me os trovões raivosos, as bátegas grossas
as lamas arrastadas pelo chão.
Hoje sou a chuva trespassante e fria,
sou o rio duro de memórias vossas.
Sou apenas mais uma folha, um grão.

Escrevo sem rumo, destino,
apenas deixo as palavras sem tino.

Hoje sou também a mansidão, a doçura,
sou o amor e a alma aberta,
o coração que transborda.
Hoje tudo faz sentido, tudo é candura,
como floresta misteriosa e deserta.
Hoje sou uma tensa corda,
que nenhuma mão dedilha.
Que nenhuma alma perfilha.

Escrevo entre o rugido e o sorriso,
entre a dor e a aceitação.
Escrevo entre a loucura e o juízo,
entre a mágoa e a rejeição.

sexta-feira, agosto 01, 2014

COR DO AMOR

Sabes de que cor é o amor?
Será vermelho como um por do sol de verão? Rubro, intenso, poderoso.
Será rosado como as faces de uma criança, de sorriso esplendoroso?

Sabes a cor do amor?
Diz-me se é violeta como os lírios do campo, como os olhos de quem chora.
Ou se é verde e azul, como as águas do mar profundo e onde a mágoa mora.

Sabes de que cor é o amor?
Será branco como a neve fria? cortante e pura, gélida e pérfida,
será negro como a noite dura? desolada, de língua bífida,
de onde o fel se solta como gotas de orvalho.
Como laivos de mágoa onde me afogo e batalho.

Sabes a cor do amor?
A paleta que o pinta tomba das mãos do pintor....
Já não tem cor o amor...


O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...