Deixei cair o véu da
penumbra de uma manhã de outono,
despi-me da bruma da
mágoa e soltei os cabelos de poesia.
Inalei os orvalhos e
os mostos, névoas de maresia.
Misturei jasmins e
rosas, canela e açafrão,
violetas inquietas: de
musgos atapetei o meu chão.
Deixei pérolas
salgadas suspensas em despida faia,
percorri, de pés
descalços, todos os cais desta vida,
busquei respostas e
sonhos: sentei-me só e dividida,
estendi braços
indolores sobre terra e sobre mar,
apaguei todos os
traços de uma tela por acabar.
Rasguei todos os meus pedaços:
lanceio-os ao vento norte,
embarquei em nau sem rumo, naveguei em
sal sem mar;
Trouxe do mar uma concha de
nacarado palpitar
e enfeitei com ela os
cabelos - negros de esperar -,
entrancei de novo a vida, em silencio;
Devagar.
Deixei cair o véu do
desencanto e o vestido do penar,
calcei sapatos de sonho,
enfeitei de novo o brando olhar.
Peguei nas sobras e nas
dobras enterrei-as no verbo amar.
E de novo fui com o vento,
com a chuva: delicado madrigal
de esp’ranças semeadas em
fecundo sonho virginal.
Assim renascem os olhos,
assim florescem as mãos,
assim se bordam os sonhos em
lenços de branco acenar,
e assim se constroem os
ninhos dos corações a recomeçar.
Embarco em nau de
desconhecido timoneiro,
entrego-lhe a vida que
sobra, adenso-me no nevoeiro
e sigo sem olhar para trás.
A vida por lá ficou perdida.
Oscilando em cada maré
enfrento um novo ondular,
Adamastor se levanta com voz
de fúria, a troar;
Os medos, as mágoas e o
frio, ficaram no vazio cais;
Grita Adamastor, bem forte!
Eu dobro o Cabo sem arrais!
Nada me verga, nada me
quebra; Só o vento me levará
onde houver campos e flores: novos cheiros novos chãos.
Onde criarei novas raízes,
onde terei de novo plenas mãos
de eterna poesia e sonho. E
olhos de criança encantada
e risos de menina em flor; E
a serenidade de cada madrugada.
lágrimas de lua