quinta-feira, setembro 28, 2006

CRISÁLIDA

As nuvens ameaçadoras, cinzentas e carregadas pairam no céu onde o sol já não brilha, o verão abandonou definitivamente estas paragens e a praia permanece deserta.
De pés nus e saia presa para não se molhar, imprime as pegadas na areia molhada, deixando que as ondas gélidas lhe beijem os pés de um branco nacarado. Os longos cabelos negros estão soltos ao vento como enfunada vela de veleiro destemido na tempestade, o rosto fino e de olhos profundos permanece sério e fechado, olhando bem no horizonte, onde o mar, de verde acinzentado vestido, se perde. As ondas de marés vivas correm velozes sobrepondo-se e contorcendo-se sem cessar assaltando a praia com fúria. O som alteroso do mar e o vento que se vem levantando não parecem perturbar esta figura que esbelta e esguia caminha aspirando profundamente o ar impregnado de maresia e iodo.


Um bando de gaivotas vem pousar na areia deixando as marcas finas das patas ao lado das pegadas certas da mulher. Tem a praia envolta no nevoeiro característico das tardes outonais e o espaço inteiro para si; Senhora, rainha e dona. Então o seu rosto perde o rito de dor, o olhar tem tonalidades de uma doçura infinita, abandona os sapatos e, abrindo os braços, enche os pulmões de ar deixando que o corpo aos pouco se vá soltando. Ao som de uma musica que só os seus ouvidos ouvem inicia uma dança em que põe toda a sua alma, todo o seu amor mudo que jamais dará, que jamais partilhará, o xaile que à pouco lhe envolvia os ombros arredondados é agora uma nuvem de cor nas suas mãos, habilmente o faz voltear e dançar em torno do seu corpo jovem e completamente entregue. As águas ora rugem ferozmente como que incentivando a dança louca e doce, expressiva e sentida, ora se adoçam aos requebros do corpo flexível que para elas dança, rodopia e contorce exprimindo toda a profundidade de uma alma acrisolada em si própria, tenebrosamente calada. As gaivotas agruparam-se e extasiaram-se com a figura grácil que quase esvoaça pela areia fria e húmida, os seus pés mal tocam o solo, a saia flutua ao redor do corpo que quase se tornou etéreo, rodopia na melodia da natureza que a envolve e penetra, que a assola e faz explodir em mil expressões.

Cai a noite, a maré está na vazante, e as sombras invadem rápidas o areal, o bando de aves, como que sentindo o gélido bafo da lua levantam voo e soltando os seus pios lamentosos sobre a cabeça que ainda volteia entregue e solta, afastam-se. De repente, como se algo dentro de si se tivesse partido, quebrado irremediavelmente cai desamparada sobre a areia. O rosto por terra, os braços pendentes como uma boneca sem corda, os cabelos em desalinho espalham-se em seu redor como tentáculos de um polvo pronto a devora-la. O corpo é agora um tronco sem vida, apenas os ombros acusam os soluços profundos que a sacodem, e é um rosto desvairado, marcado por uma tristeza imensa e uma dor sem limites que se eleva para o céu já de negro veludo vestido. Aqueles olhos marejados de lágrimas doridas estão sem cor, sem brilho sem vida. Acabara o seu momento de glória e evasão, agora era o regresso à vida de todos os dias, negra como o céu de trovoada. Recolhida de novo em si mesma apanhou os sapatos, envolveu-se no xaile quente e atirando um beijo ao mar, encaminhou-se para o carro.

quarta-feira, setembro 27, 2006

VESTIDO MAIS BELO


Duas formas de uma frase que ouvi.
Deram dois poemas, não sei de qual gosto mais, fica ao vosso critério




Vem amor,
no teu vestido mais belo!
Na tua pele branca e nua,
como um breve raio de lua.
Vem amor
no teu sorriso singelo,
no esplendor do corpo alvo
onde me perco e me salvo.
Vem amor,
no teu mais lindo vestido,
a tua pele por minhas mãos desnudada,
arrepiada, entregue e perfumada.
Vem amor,
no mais literal sentido
deitar-te na minha cama
e atear a nossa chama,
perder-te em mil carícias,
afundar-me nas delicias
do teu mais belo vestido.

PELE


Vem amor,
no teu vestido mais belo!
Nesse imenso calor
do teu sorriso singelo,
no esplendor da tua pele
branca, suave, perfumada.
Os teus beijos gotas de mel,
vem branca e desnudada.
Vem amor,
no teu vestido mais puro!
Deixa provar o sabor
do teu corpo, fruto maduro.
Suaves as curvas brancas
da tua pele alva de neve,
ternas as tuas mãos brandas
repousando em mim ao de leve.
Vem amor,
no mais belo dos teus vestidos,
sussurra-me o teu ardor
penetrando os meus sentidos.

terça-feira, setembro 26, 2006

DESERTOS


O vento do deserto abrasa,
passa assolando as nossas vidas,
e a chuva da ausência arrasa
as defesas mais encarnecidas.
Voltam os desejos loucos
nas fraquezas consentidas,
voltam os apelos roucos
e as lutas mais renhidas.
E o eterno e duro vento
sopra e devasta à passagem,
deixa o seu dorido lamento,
imprimindo escuridão na paisagem.
O vento do deserto voltou
uivando, rasgando-nos em estilhas,
e nos nossos corações ficou
a ansia de nova partilhas.

segunda-feira, setembro 25, 2006

AMIGOS


"O melhor amigo; Uma flor no deserto"


"Agarra um verdadeiro amigo com ambas as mãos"


"Um quilómetro percorrido com um amigo, contem apenas cem passos"


"A amizade é o unico cimento capaz de unir o mundo"






"Precisamos sempre da amizade tanto quanto precisamos dos proverbiais bens básicos da vida: O fogo e a água"


"A linguagem da amizade não é feita de palavras mas de significados"

sexta-feira, setembro 22, 2006

OSCILANDO ENTRE BRUMAS


E a vida passa, dia-a-dia.
Arrastada, dolente, perdida,
abrindo uma ferida desmedida
enquanto tudo se esvaía.
À minha volta o fumo
sem cor, da ausência,
da tua ausência sem rumo,
do meu peso de consciência
de saber que tens outra vida,
essa da qual não participo
Mas que é entre nós dividida

terça-feira, setembro 19, 2006


Se te dás, fá-lo por inteiro, esquece tudo;
Vibra - Sente - Respira - Olha - Toca e VIVE

Apenas um pensamento;

É impossivel amar sem sofrer

FLECHAS DA VIDA


Mais uma hora sem ti,
mais um pedaço meu que perdi
no buliço do meu dia.
Mais um beijo que não dei,
mais um abraço que deixei

esquecido sem magia.
Mais uma lágrima triste,

mais uma espada em riste
trespassando o coração.
Mais um sorriso sem cor,
mais uma imensa dor
gritando na escuridão.

domingo, setembro 17, 2006

CULPA

Na solidão do erro cometido,
na dor do mal perpetrado,
no desespero da desordem infringida,
rasga-se o peito acometido
de mágoa infinita, envenado dardo
contra o amor lançado. Atingida
a meta fica a dor profunda
destruição imunda
de uma vida.
Ah! pudera eu emendar...

sábado, setembro 16, 2006

NOVELOS DE BRUMA


Novelos de bruma odorosa,
envolvem em espasmos a serra
mística e mágica.
Essa bruma líquida, silenciosa,
escorre em soluços pela terra
fria...Trágica.
Mágicas, as árvores, prende-me em ecos dolentes,
fazendo circulos sussurrantes,
ondas mansas, calmas, quentes.
Novelos de bruma silenciosa
envolvem a serra
e devolvem à terra
a paz mansa e odorosa.

sexta-feira, setembro 15, 2006

VULCÃO DE LUZ



Utilizo uma imagem que retirei da net, apenas pelo prazer de a poder comentar.

Não é de minha autoria, mas tem muito a ver comigo, este jacto de luz, faz-me lembrar um vulcão que explodiu em beleza, sem os estragos que normalmente provoca. Faz-me sentir em paz com o mundo e devolver um pouco de beleza ao "cinzento" que trilho tantas vezes. Dá para pensar se com um pouco mais de "vontade" não saberei uma vez mais transformar o cinza em dourado...Quantas vezes uma varinha de condão daria imenso jeito!

MISTERIOSO FAROL

Na ponta verdejante sobranceira ao mar, elevava-se, branco, silencioso e isolado. A seus pés uma escadaria bem cuidada de uns 50 degraus, o manto verde e o mar, esse seu eterno companheiro beijando-o incessantemente.
De quase todos os pontos da cidade se podia avista o farol; Majestoso nas noites calmas e de temporal, um marco luminoso nas escuras horas em que o sol se esconde e a lua se eleva nos céus.
Já não era a primeira vez que o via, que o apreciava e desejava vê-lo, visita-lo, ouvir-lhes as histórias mudas que tinha no seu coração para contar, histórias de uma vida de pedra e cal sobre os eriçados rochedos que traiçoeiramente se estendiam na sua frente sob o manto azul esverdeado ligeiramente encapelado do oceano.
De cada regresso à sua cidade cúmplice fazia tentativas de alongar os seus passos um pouco mais além para ir ter com ele, aquele farol tinha um imã que a atraía irresistivelmente, trazia-lhe lembranças antigas;
- As primeiras visitas que fizera a um farol pelas mãos do pai, a explicação do mecanismo da luz, da vida do faroleiro, coisas que lhe tinham ficado na memória, e mais recentemente mas com alguns anos também o célebre Farol de Alexandria, ou da ilha de Pharos; Essa maravilha do mundo que as águas haviam tragada muitos e muitos séculos antes, no entanto as descrições da sua alvura de mármore, do porte altíssimo e elegante, de esguias e doces formas, alimentavam-lhe o imaginário e a fantasia, e muito embora este fosse apenas uma pequena amostra, havia uma semelhança que a encantava, vá lá saber-se porque e onde, mas a mente tem destas coisas e quando se liberta a ilusão….
Nessa manhã decidira não adiar mais os seus propósitos e foi confiante e sonhadora que se pôs a caminho, sem nenhum motivo para ser especificamente naquele dia, mas aproximava-se a partida de novo para o ritmo normal e vida diária longe das suas paragens, do seu espaço mais querido, e não queria levar por fazer essa tarefa, não sabia quando voltaria ou sequer se voltaria. O dia estava ensolarado e quente, como é normal por essa latitudes e a brisa fresca vinda do mar agitava-lhe os cabelos ondulados estampando-lhe no rosto a beatitude de quem está em paz consigo e com o mundo. Um ligeiro sorriso aflorava-lhe aos lábios dando a sensação de pensamentos felizes e memórias agradáveis. O seu passo certo levou-a do hotel até à zona portuária e daí, pela marginal, até à mesquita, imensa e poderosa, que como sempre a aguardava de braços abertos, e cadenciados cânticos que do seu interior por vezes chegavam. No final do passeio marginal, sobre o outro promontório um pouco mais baixo e menos debruçado sobre o mar lá se encontrava ele, olhando o infinito, lançando no ar o seu ronco e de noite espraiando a sua luz intermitente sobre o oceano.
A sua paragem obrigatória na mesquita deixou-a para mais tarde, ainda lhe ocorreu o seu poiso favorito sobre uma das conchas de água, forrada a mosaico verde e onde os pombos escreviam as suas mensagens, arrulhavam e deixavam os seus dejectos, mas que a ela não incomodavam muito, e munida de lenços de papel, para lá ia com o seu livro ou caderno e canetas, mas fora apenas um pensamento passageiro e os seus pés viraram-se para as escadas que a levariam ao pontão de pedra que envolve a arredondada baía e onde nas marés vazias se vêm dezenas de homens e algumas mulheres, unas apanham moluscos outros tomando banho. Percorreu a marginal pedestre com calma recebendo o sol em cheio no rosto e a brisa perfumada das ondas. Perto as águas estavam sujas de areia e algas, emprestando um tom acastanhado, mas para além da rebentação, a meio da baia já exibiam o seu tom característico de verde-esmeralda e azul.
Uma mulher sozinha, branca e estrangeira, quase sempre suscita alguma atenção e uns quantos assobios de modo a captar-lhe a atenção., mas ela na sua passada apenas tinha olhos para a sua meta que se erguia um pouco mais longe e as ondas que de manso se vinham quebrar nos rochedos, deixando na mente perguntas variadas;Onde seriam apanhadas as deliciosas ostras que tanto adorava e que sempre faziam parte da dietas das suas escapadelas por aquelas bandas? E onde iria ter o peixe que degustava com prazer e que era tão bem confeccionado nos restaurantes que frequentava? As actividades pesqueiras podia confirma-las no mercado onde ia com frequência, no porto, onde à noite as redes de pesca era tratadas para a próxima saída para o mar, mas lota ainda não vira nem sabia se existiria. E logo o seu coração lhe agudizava a dor da partida dizendo-lhe alto; E se te fosse possível ficar? Como seria? Enquadrar-te-ias, enquadrar-se-iam? Afastou resolutamente os pensamentos sabendo que nada podia mudar o rumo das vidas, e olhou uma vez mais para o seu farol enquanto os seus pés sabendo de cor o caminho, como se predefinido houvesse sido, pisavam a terra batida e a ressumar de sal.
A olhos vistos crescia o farol, meio amarelado agora pela refracção do sol intenso da manhã adiantada, a paisagem circundante delineava-se aos poucos, dali onde por segundos abrandara o passo, já podia ver as escadarias e o verde campo nas traseiras, para a frente era ainda confusa a paisagem, apenas o cabeço eriçado de negros rochedos que pelas águas entravam se identificava. A sua cabeça sonhadora desfiava agora o rosário de leituras que fizera sobre o Farol de Alexandria, e deleitava-se com essas lembranças, parecia-lhe que na sua frente se agigantava aquele pequeno irmão, que crescia e se embelezava, tomava as proporções do outro e a ela era-lhe dada a felicidade de o ver em pé, belo e único, como se o tempo houvesse voltado para trás e ela por um portal do qual desconhecia a existência, entrada ou saída, tivesse penetrado para outra dimensão do tempo e espaço.
O caminho encurtava e em breve se encontrou no primeiro degrau, tremendo de nervosismo pisou a pedra polida e branca e subiu, como em sonhos, os cerca de cinquenta degraus. À volta, só as gaivotas soltavam os seus pios ao vento, as ondas emprestavam o seu rugido ainda calmo de maré vazia, e o vozear de vozes masculinas um pouco esmaecidas e apenas trazidas entrecortadas pelo vento.
Lá do alto o ronco, agora bem forte e ensurdecedor, saía a intervalos certos, algo que seria substituído pela luz horas depois, ou melhor por ela complementado porque houvera noites em que o ouvira emitir o seu som característico altas horas. Deu a volta lentamente tocando a parede que ali era mais suja do que lhe parecera ao longe, e foi caminhando em direcção à ponta sobranceira ás aguas, não encontrou vivalma, e no entanto as vozes faziam-se ouvir, caminhou curiosa e mais decidida esquecidas das horas de regresso, foi até onde podia ir, aventurou-se um pouco sobre os penhascos e debruçou-se para baixo no murete que fazia a fronteira entre o território do farol e o do mar, que lhe parecia em dias de tempestade devia acoitar se não o próprio farol pelo menos o molhe onde estava cravado. E…Nada, mas onde viriam as vozes? Não estava a sonhar, embora aquelas viagens fossem sempre de sonho, mas agora estava acordada e tinha essa noção, louca, estaria louca? Ou seria uma valente insolação? O facto é que continuava a ouvir as vozes, mas não entendia a língua e não era árabe…Estranho, muito estranho, pensou. Estugou o passo em direcção a terra e teve a impressão que acabara de ver uma pessoa, mas…Não, não podia ser, fora alguém que saíra do farol ou algum residente que por ali passara, que tal como ela tinha vindo conhecer aquele guardião das noites. Mais uma vez se encaminhou para a ponta rochosa e observou o oceano na sua frente, perguntou-se o que sentira o outro farol ao ser derrubado no seu esplendor e majestade únicas? Que vivências levara para o fundo do mar? Alguma vez voltaria a ser descoberto, se é que existira mesmo? O menos aquele ali ao seu lado estava bem presente e acordava-lhe gratas memórias.
As horas urgiam e tinha que regressar para o almoço, enfrentava pelo menos uma hora e tal de caminho e agora, com os pés cansados e o sol mesmo a pique não tinha a vida facilitada. Virou-se contra vontade e começou a percorrer o promontório atapetado, já na sombra do farol olhou uma vez mais em direcção ao mar e viu recortados contra o azul imenso do céu as suas vozes masculinas; Um senhor nos trajos de grego rico e um criado, quem sabe, que o acompanhava. Piscou os olhos dizendo de si para si que enlouquecera, e ao reabri-los apenas pode ver um vulto de cinzento, com a djelaba característica a descer os rochedos que minutos antes ela havia ensaiado descer também. Estacou sem saber o que pensar, o que vira na realidade?
Elevando os olhos para o topo do farol e abarcando o céu, limitou-se a sorrir, e a agradecer, fosse o que fosse estivera de facto em Pharos e no seu soberbo farol, concretizara o seu sonho, nada mais importava.

quinta-feira, setembro 14, 2006


Hoje...Mais uma semana me espera,
hoje...Mais um desafio me aguarda,
hoje mais uma alma desespera
e mais um anjo baixa a guarda.
Hoje...Mais uma alma definha,
hoje...Há mais um beijo que morre.
Hoje acrescento mais uma linha
ao meu viver que escorre
sem rumo, sentido ou fim.
Hoje...Só nasceu outro dia!

PÉROLA


Num banco rochoso das profundas e escuras águas do Oceano Indico, uma ostreira desenvolvia-se na mansidão da quietude azul, sem grandes variações térmicas nem correntes excessivamente fortes.Bem no centro do maciço submerso uma enormíssima tridacna entreabria a rugosa casca deixando que as nutrientes águas lhe depositassem na rosadas carnes, que afloravam os bordos sequiosos, o alimento precioso que a fazia crescer ao ritmo lento com que crescem todas as maravilhas e perfeições da natureza. A sua idade, já lhe perdera o conto, mas uns centos de anos teria, a julgar pelo tamanho das formas escuras e maciças, pelas tonalidades das suas carnaduras majestosas e pelo precioso tesouro que nas pregas macias do seu corpo alaranjado se escondia. Ao seu redor as ostras em cachos ou isoladamente iam-se desenvolvendo como que protegidas por aquela “mãe” imensa e branda.De quando em vez um mergulhador vinha visita-las para ver o seu estado de saúde e maturação, já que aquele banco, de produção elevada e excelente qualidade, servia para abastecer os mercados longínquos e estranhos, que sabiam apreciar o paladar exclusivo e único de uma ostra. Só um verdadeiro apreciador reconhecia os cambiantes do paladar daqueles delicados moluscos e sabia dar-lhes o mérito próprio. De cada vez que fazias as suas visitas ia sempre cumprimentar a imensa mole escura que, como por magia da paixão, delicadeza de sentimentos, ou simples função natural, lhe entreabria um pouco mais a casca e expunha os “lábios” carnudos aos beijos da água e festas das mãos calejadas do mergulhador, mas não se recolhia, antes se distendia deliciada com as carícias que de manso recebia.A mão experiente descia pela carne nacarada de tons estranhos ora alaranjados, ora rosa pálido, ora amarelados, marcada aqui e além por negros pontos, e massajando à passagem, o animal ia desdobrando as pregas internas até pôr semi a descoberto o tesouro inviolável que ele tão bem conhecia e guardava em estreita cumplicidade com ela; Uma pérola sem valor, cinzento-nacarado, imensa, esférica, perfeita na sua beleza e única.A tridacna, de válvula e concha completamente abertas repousava nesses momentos e deixava que a água fresca a invadisse sem barreiras, e que o seu tesouro fosse contemplado na extensão da sua preciosidade e belezas únicas e incomparáveis.Celebrado o ritual, homem e animal retomavam os seus rumos normais, ela fechava o seu corpo e ele emergia com a sua carga de ostras para o mundo.Nem um nem outro pensavam em separações ou mortes, como se o laço que os unia fosse eterno e imutável. Mas o facto é que o homem envelhece, e uma pérola é sinal de doença, mesmo numa tridacna descomunal e intemporal como ela. E assim, ali bem perto uma ostra ia crescendo lentamente já sustentada por um pé firme que calmamente se firmava na base rochosa, dali a muitos, muitos anos seria uma belíssima e imensa tridacna, mas por enquanto limitava-se a crescer sonhando, talvez, em ser como a sua bela e rugosa parceira, mansamente repousando ao seu lado.Um belo dia o mergulhador voltou, mas já não colheu ostras, foi direito à sua velha amiga, fazendo-lhe uma festa na casca e recebeu o costumeiro e alegre bafo de bolhas enquanto ela se abria. Muito a custo e visivelmente cansado empurrou a mão e expôs pela última vez a belíssima pérola cinzenta. Batendo com os pés no fundo com vigor, fez um rápido adeus à sua amiga que não mais verá. Pouco tempo depois um novo mergulhador se aproxima do banco para recolher o néctar submarino e nem se apercebe da forma escura e enorme que resiste ao tempo e ás mãos humanas que lhe acariciaram o corpo e se deleitaram com o tesouro que guarda.Fechada, triste mas persistente, desenvolve, cria camadas e vai polindo o seu incalculável conteúdo, até que um dia morrerá também e deixará o banco livre para o seu pequeno rebento que vai crescendo a seu lado.A pérola, essa pertencerá para sempre a Neptuno, será mais um dos seus tesouros eternos.

SEM RUMO


Uma vez mais sem rumo
perdida entre ilhas belas,
vida esvaída em fumo
feita de brancas velas.
entre o verde e o azul profundo
entre a terra e este mar
cada vez caio mais fundo
sem saber se quero voltar

PEQUENA SEREIA


O sol batia-lhe em cheio no rosto obrigando-a a franzir-se e semicerrar os olhos apesar dos óculos escuros. Baixou o olhar sobre a praia onde algumas pessoas se aqueciam e tostavam alheias à figura ainda esbelta que projectava a sua sombra sobre a areia escura da pequena enseada.Quantas memórias! Quantas lágrimas! Quantos anos…Ali estava de novo, de vestido branco de linho, uma grinalda de flores nos longos cabelos de sereia e um sorriso de menina nos lábios, a seu lado uma figura masculina, igualmente jovem e sonhadora enlaçava-a ternamente pela cintura. Olhavam o mar, calmo e azul, profundamente azul, e os negros e eriçados rochedos, dedos de lava endurecidos pelas águas.Os cabelos acobreados baloiçavam docemente na leve aragem fazendo cócegas no rosto, que rindo, lhe mordiscava o pescoço em ar de quem se vinga de tão ternas vergastadas. Os pés de ambos, nus, enterrados na areia preta e quente seriam doravante uma marca constante, e nesse preciso momento a jura de amor que haviam feito perante o altar, renovavam frente ás águas que a ambos enfeitiçavam e viriam a ser o seu segundo lar.Ambos adoravam o mergulho em profundidade, ambos Biólogos de profissão, ela mais dedicada à Biologia marinha ele à Biologia em geral, tinham-se conhecido no continente na faculdade e o amor crescera desde então. Já exerciam e tinham um sonho e um projecto em comum; Regressarem à sua ilha natal e nela desenvolverem o estudo, o reconhecimento e preservação das espécies nativas.Casa havia, quer dos pais dele que haviam falecido anos antes, quer dela, que comprara uma vivenda pequena e encantadora sobre uma falésia com acesso, íngreme e difícil, mas acesso mesmo assim, a uma minúscula baía de águas calmas onde por norma iniciava os seus mergulhos e onde fizera o seu “curso” de mergulho com o pai e o tio, anos antes. Aliás a baía era quase exclusivamente deles, e muitos dos apetrechos ficavam na loca de lava bem a salvo das marés. Com as ajudas estatais para o seu projecto tinham voltado e metido mãos à obra, mas antes tinham decidido dar o nó e fazer de dois um só. Tinham casado nessa manhã e ali estavam numa jura muda perante o extenso oceano – Preservar, catalogar e descobrir, estudar e dar a conhecer a fauna e flora das ilhas que tanto amavam. O mar calmo recebia, como beijos, os murmúrios daquelas almas apaixonadas e quem tivesse ouvidos e alma de poeta, poderia perceber a resposta das águas desfeitas em alva espuma, uma resposta de comunhão e aceitação entre homem e natureza, que nos ilhéus é mais forte e mais presente.Rodaram os anos, as estações, os desgostos e as alegrias, vieram dois filhos, e no meio, centro e união entre ambos, o mergulho, o êxtase perante essas águas de um cobalto que jamais alguém igualou, a loucura perante a miríade de peixes, crustáceos, moluscos e plantas que sob as escuras águas se agitam. Horas de paixão, horas de entrega quase física, horas de estudo, de recolha e de observação, milhares de fotografias, e amostras devidamente identificadas e catalogadas. Uma vida dedicada ao mar. E sempre o amor doce e calmo de quem não tem pressa e sabe que a vida corre mansa, as horas das refeições eram passadas em família, os garotos brincando desde muito novitoscom as redes e camaroeiros, com os apetrechos de mergulho e ensaiando os seus próprios dotes, treinando pulmões e corpo para mais tarde acompanharem os pais. Eram uma família feliz, que naquele pedacinho perdido entre céus e mar, fizera um hino a Deus, à natureza e ao amor.A cada ida ao continente, ambos tentavam ser breves e resolver tudo rapidamente, a confusão, o trânsito, as caras fechadas e indisposições constantes de quem por lá habita, não eram situações que lhes fossem agradáveis, por isso limitavam a duas deslocações anuais as obrigações para com a entidade que os apoiava e empregava. Tinham trazido os filhos apenas 4 vezes em toda a sua vida de casados, mas a decisão de os mandar estudar para Lisboa ou Porto já tinha sido ponderada e no caso do filho mais velho decorria já com êxito, já que o pequeno era aplicado e inteligente, a mais nova ainda luta em S. Miguel para se abalançar por o velho continente e voar para um curso que poucas ou nenhumas hipóteses tem nas Flores, mas que os pais por nada querem contrariar.Os anos já se fazem sentir em ambos, mas os mergulhos e explorações continuam, e um belo dia a eles junta-se um novo casal, enviado de Lisboa, para seguir e aumentar o espolio que já tem honras de livro editado, museu montado e videoteca, bem como visitas de estudo quer em terra quer no mar. Mas o oceano por vezes tem o seu feitio muito especial, e recebera as confidencias e promessas deles no 1º dia das suas vidas, recebia-os como filhos no seu seio, deixava-os à vontade, e eles no seu elemento mais querido aproveitavam e gozavam ao máximo esse comunhão consentida e querida.O coração pode ser traiçoeiro, e uma cara bonita, um corpo insinuante e tonificado, podem fazer os estragos de uma lavagem de tanques de petroleiro numa vida feliz e sem mácula. O destino que até ali fora benéfico e amigo para com a “pequena sereia”, como o marido lhe chamava tantas vezes, deu-lhe a provar o fel da traição. Mergulhador por excelência, a ele coube ensinar e vigiar os mergulhos dos continentais. Mas a voz da paixão falou mais alto e acabou por se envolver em escaldante romance com a jovem recém chegada. Voltou a fazer mergulho nocturno, coisa que haviam posto de parte 2 anos antes, por terem apanhado um susto com problemas respiratórios dele, voltou ao mergulho a mais de 30m que também lhe fora proibido, e à escalada para manter a forma. A tudo assistia com o coração em chaga e cada vez mais entregue ao trabalho para não sentir o ferrete da dor. Ele voltava sempre, meigo e comprometido, mas sem conseguir deixar o néctar daquele corpo jovem e pujante que tomara na praia ao luar imenso e claro, louco de paixão.A “pequena sereia” sucumbia a olhos vistos, definhava, mal dormia, ele apercebia-se e tentava por todos os meios emendar o seu erro, mas a jovem sempre se insinuava, e como alcoólico viciado, não resistia.Uma noite em que ambos os casais já se haviam recolhido, e a pequena casa se recortava na negra noite aveludada e morna de fim de verão, ouve-se abrir uma porta devagar; Por ela saem duas figuras, uma mais esguia e outra com as formas que os anos já começaram a marcar. Vão em silêncio, de corpos enlaçados e vultos ás costas, as suas silhuetas recortam-se nítidas contra o breu das águas onde os raios de lua doirada se espraiam mansamente. O ruído do mar é a única companhia destes dois que sorrateiramente para ele se dirigem. Mas o corpo fala mais alto, a carne é mais imperiosa, o desejo mais forte e a ambos já nada mais importa, a natureza repousa, nada os perturba. Deixam de lado os apetrechos de mergulho e entregam-se em arroubos de paixão louca, num frenesim intenso e desmedido sobre as negras areias, como que a relembrar outras explosões, as de um vulcão há muito extinto, mas que deixou as suas marcas indeléveis na ilha.Fatos vestidos, lanternas assestadas, e arpões nas mãos, mais um beijo antes do mergulho e ei-los nas águas, tenebrosas a tais horas em que todo o imaginário nos assola, nadam lado a lado, descuidados de tudo, do mundo, do coração despedaçado que deixaram em terra e que julgavam adormecido, mas que lentamente e desfeito desceu à praia e atrás deles mergulhou.Dirigem-se para uma gruta submarina, não muito fácil de fazer, mas que a experiência dele e a rapidez dela em conjunto resolveriam. Mas as páginas do livro da vida, ditariam um fim trágico àquele mergulho. Apanhados desprevenidos pela enchente, e lançados contra os rochedos afiados, nem a experiência nem a agilidade ou rapidez e robustez os salvariam, e enquanto se acariciavam felizes por terem atingido a gruta, seu sonho de havia meses, são esmagados furiosamente contra os aguçados picos que eriçam a entrada da gruta. Assustados e desnorteados, com uma das garrafas perfurada, as barbatanas dela foram arrancadas dos pés, e as costas dele em sangue, lutam por se manterem vivos, e sobem à tona da água, para encontrarem um mar furioso e encapelado, que os obriga a mergulhos curtos em que dividem a garrafa que sobrou. Mas o oceano não lhes perdoa a traição, o profanar de um santuário que fora pela sua “sereia” descoberto e tão cuidadosamente estudado e preservado, e fustiga tresloucado aqueles dois corpos que aos poucos vão perdendo as forças. Mas um vulto seguiu no seu encalço, e é com imenso esforço e determinação que tenta por todos os meios tira-los da corrente traiçoeira que tão bem conhece e sempre soube evitar, mas na qual tem que se arrojar para os salvar. A “sereia” ora choca de pés nos rochedos segurando o marido nos braços e a amante com o seu próprio corpo, ora se vira e nada de costas tentado puxa-los para o interior da gruta onde acabará por depositar o corpo moribundo do marido e o quase desfeito corpo da amante. O resto da noite passam-na em tormentos mil, ambas tentando mantê-lo vivo e tentando estancar o sangue que jorra abundantemente das feridas dela. No dia seguinte um barco leva-os para o hospital, onde um falece, a outra sobrevive e a outra apenas habita o corpo já que a alma morreu duas vezes….Quantos anos já passaram?...Deixou de os contar, voltava hoje, abria de novo a pequena casinha encarrapitada na falésia, os netos chegariam no dia seguinte, a vida continuara longe dali, no velho continente tão odiado, e que acabara por a receber. De “sereia” ficara-lhe o nome da casa, carcomido pelos anos, pela maresia e pelo vento, e a figura anda grácil de mulher bem madura, os cabelos já não eram longos e o tom cobre já se diluíra nas cãs que emprestavam um ar fino aquela mulher a quem a vida tanto marcara.Mas o azul-cobalto, profundo e imenso ainda a chamava no seu apelo mudo de mar, e as suas profundezas murmuravam aos seus ouvidos histórias mil secretamente contadas, que lhe abriam um ténue sorriso no rosto vincado de “sereia” perdida.

VIDAS ENTRELAÇADAS


Nesta hora amor,
em que a vida nos afasta,
em que o nosso calor,
fica adiado e arrasta
toda uma dor sem ter fim,
e temos que prosseguir assim
cabeça erguida, coração em chaga.
Nesta hora amor,
em que te queria a meu lado
preso apenas no torpor
do meu corpo desnudado,
em que acordo todos os beijos,
todos os suspiros e desejos,
as tuas mãos ávidas e quentes
os teus lábios doces de caricias mil,
e os teus olhos sempre presentes...
Ah amor! Nesta hora que me alaga
de uma tristeza sem cor
queria apenas parar o tempo
apagar esta imensa dor.

O TEMPO PERDIDO NÃO SE RECUPERA

As palavras lançadas não voltam atrás, o tempo perdido já não tem retorno e a vida esvai-se, no silêncio voraz. Fica o caminho, diluído, sem...