Cisco, abreviatura de Francisco, é uma criança como tantas outras, brinca, corre, salta, vai à escola, estuda, chora e ri, cai, esfola os joelhos e parte a cabeça, rasga as calças e dá cabo dos sapatos a jogar à bola. Tem uns agradáveis 8 anos e uns deliciosos e profundos olhos castanhos que falam por si, mesmo quando o rosto tem aqueles momentos inexpressivos. Bem, é uma criança “quase” igual a tantas outras. Francisco teve um parto longo e algo complicado que lhe deixou como sequelas um ligeiro atraso e dificuldades cognitivas, que só mais tarde se iriam detectar. Fora um bébé de fácil sorriso e sempre bem disposto, apenas levara mais tempo a pôr-se em pé, a ensaiar o palrar, a comer sozinho, a construir frases, a deixar as fraldas de entre outras pequenas coisas que foram despertando a atenção com o passar do tempo. Mas, ao entrar na escola a diferença notou-se mais, agravou-se, e enquanto os seus coleguinhas iam associando as formas, as cores, iam aprendendo os nomes dos objectos, Cisco ia ganhando habilidade de mãos, apuro de ouvido e um afastamento pronunciado do convívio natural entre crianças. Iam dar com ele, muitas vezes, sentado com a sua flauta, a ensaiar musicas que ninguém conhecia, nem tão pouco tinham sido ensinadas na aula de música. Em grandes ânsias andaram os pais, que correram com ele médicos sem conto, ouviram diagnósticos horrendos e tentaram inúmeras terapias, mas Cisco seguia no seu mundo semi isolado, mas feliz. Claro que se juntava ao grupo infantil e brincava, jogava e ria, trabalhava com os outros nas aulas e era sossegado e atento dentro do possível, mas a sua cabeça fugia para um mundo de sons e notas que pareciam brotar-lhe mais da alma que do cérebro.
A sua psicóloga percebera que não era fácil faze-lo falar, era uma criança calada, mas esperta, e se não o deixassem seguir o impulso nato da musica dificilmente Francisco seria alguém na vida. Decorreram os primeiros anos de escola e aos poucos e com bastante apoio e esforço Cisco conseguiu recuperar parte do seu atraso. Já lia correctamente e escrevia quase sem erros, a matemática era um pouco mais difícil, mas também lá seguia o seu curso normal, embora com umas notas mais baixas, mas sem chumbar contudo.
Como era um rapazinho especial necessitava de muita gente à sua volta para o auxiliar, as explicadoras, os psicólogos, a psiquiatra, a terapeuta da fala, enfim um batalhão de gente que o adorava e por ele puxava e ao qual ele respondia com o seu manso caminhar de menino e sorriso fácil no rosto, mas o tempo para o que mais gostava não era muito; A sua bem amada flauta, a sua música que compunha sem qualquer tipo de ajuda, aula ou ensinamento. Era algo que nele fluía sem restrição, como que uma onda enorme e infinita que o inundava e transbordava em mil notas. Um belo dia particularmente cansativo em que já tivera 4 explicações, uma consulta de oftalmologia e as aulas, chegou a casa e sentou-se no sofá carrancudo e tristonho. A mãe chegara havia pouco tempo e corria de um lado para o outro porque ainda tinham a visita semanal à psicóloga que dentro de três quartos de hora os aguardava. Francisco ligou a televisão e colocou a cabecita meia de lado, como era seu hábito, mas o som quase não lhe chegava aos ouvidos, subiu o volume e quase de imediato apareceu a mão à porta da saleta a manda-lo reduzir a gritaria, era impossível os vizinhos do ultimo andar não ouvirem a televisão! Mas como podia isso ser se o som agora é que estava normal? Sem prestar muita atenção a mãe arranca-lhe o comando das mãos, baixa o som e desaparece de novo nos seus afazeres, não sem antes o ter mandado fazer os trabalhos para não perder tempo depois. Cisco para ali fica amuado, de comando na mão e flauta, a sua inseparável amiga ao lado. Pega nela lentamente e leva-a aos lábios carnudos de menino, e cria, cria, cria. Quanto mais se deixa navegar nos sons mais a sua alma se expande, cresce e entrega, de tal forma que nem dá pela presença da mãe de novo na sala a chama-lo do seu devaneio musical para a consulta a que não convém chegarem atrasados. Salta a criança do seu assento e de muito má vontade arruma o instrumento no seu estojo cuidadosamente.
Uma vez no consultório, Francisco parece mais alheado do que é normal, dá a ideia que não está ali e é essa sensação que vai passar à médica mal o vê entrar. Cumprimenta-o e ele responde como sempre com o seu sorriso aberto e meigo, mas mal iniciam a conversa ele cala-se com um ar perturbado e de lágrimas a aflorarem os olhos escuros. A médica inclina-se para ele e repete a questão; Que tem ele, porquê a tristeza que o seu rosto não consegue esconder, que se passa?
Francisco responde com um soluço forte e magoado. Quase não percebeu o que ela lhe disse, e pede para ela repetir. A médica temendo o pior ensaia uma frase simples quase em cima do rosto do pequeno e depois a mesma coisa mais longe, o resultado é inequívoco Cisco piorou da audição. Sempre tivera dificuldades auditivas e fora operado em bebé, porque os sons chegavam ao seu pequenino cérebro distorcidos e entrecortados, mas agora a perca auditiva era bem mais significativa….
A sala aplaude-o de pé, na primeira fila o rosto corado e sorridente da mulher dava-lhe a certeza que havia valido a pena e numa retrospectiva rápida, em fracções de segundo, voltava aquele dia no consultório em que soubera que a surdez seria a sua companheira para o resto da vida. Daí em diante tudo fora diferente, tivera uma ânsia imensa, incontrolada de aprender tudo, ouvir tudo, guardar na sua memória todos os sons, desde os mais belos aos mais horrorosos, dos mais doces aos mais traumatizantes, para um dia, quando os seus ouvidos cessassem as funções de vez a sua memória conseguisse reproduzir pelo som magnifico e único do seu talento na flauta, o mundo vivo que conhecera. Percorrera o mundo, aprendera a linguagem dos surdos-mudos, mas pouco uso fazia dela, porque lia correctamente os lábios e como aprendera a falar, escrever e ler, conseguia falar sem problemas. Aprendera a colocar a voz para não gritar, e jamais descurara essas aulas que o acompanhariam para todo o sempre, bem como a dicção. Durante mais de trinta anos sofrera e lutara para se manter no mundo dos sons e ao seu lado tinha, havia quinze, aquele sorriso delicioso que o brindava da primeira fila.
Nessa tarde antes do espectáculo soubera que a paternidade lhe tocara à porta e a música que da sua flauta se elevou foi um hino de louvor à vida, à perseverança e ao amor.
A sua psicóloga percebera que não era fácil faze-lo falar, era uma criança calada, mas esperta, e se não o deixassem seguir o impulso nato da musica dificilmente Francisco seria alguém na vida. Decorreram os primeiros anos de escola e aos poucos e com bastante apoio e esforço Cisco conseguiu recuperar parte do seu atraso. Já lia correctamente e escrevia quase sem erros, a matemática era um pouco mais difícil, mas também lá seguia o seu curso normal, embora com umas notas mais baixas, mas sem chumbar contudo.
Como era um rapazinho especial necessitava de muita gente à sua volta para o auxiliar, as explicadoras, os psicólogos, a psiquiatra, a terapeuta da fala, enfim um batalhão de gente que o adorava e por ele puxava e ao qual ele respondia com o seu manso caminhar de menino e sorriso fácil no rosto, mas o tempo para o que mais gostava não era muito; A sua bem amada flauta, a sua música que compunha sem qualquer tipo de ajuda, aula ou ensinamento. Era algo que nele fluía sem restrição, como que uma onda enorme e infinita que o inundava e transbordava em mil notas. Um belo dia particularmente cansativo em que já tivera 4 explicações, uma consulta de oftalmologia e as aulas, chegou a casa e sentou-se no sofá carrancudo e tristonho. A mãe chegara havia pouco tempo e corria de um lado para o outro porque ainda tinham a visita semanal à psicóloga que dentro de três quartos de hora os aguardava. Francisco ligou a televisão e colocou a cabecita meia de lado, como era seu hábito, mas o som quase não lhe chegava aos ouvidos, subiu o volume e quase de imediato apareceu a mão à porta da saleta a manda-lo reduzir a gritaria, era impossível os vizinhos do ultimo andar não ouvirem a televisão! Mas como podia isso ser se o som agora é que estava normal? Sem prestar muita atenção a mãe arranca-lhe o comando das mãos, baixa o som e desaparece de novo nos seus afazeres, não sem antes o ter mandado fazer os trabalhos para não perder tempo depois. Cisco para ali fica amuado, de comando na mão e flauta, a sua inseparável amiga ao lado. Pega nela lentamente e leva-a aos lábios carnudos de menino, e cria, cria, cria. Quanto mais se deixa navegar nos sons mais a sua alma se expande, cresce e entrega, de tal forma que nem dá pela presença da mãe de novo na sala a chama-lo do seu devaneio musical para a consulta a que não convém chegarem atrasados. Salta a criança do seu assento e de muito má vontade arruma o instrumento no seu estojo cuidadosamente.
Uma vez no consultório, Francisco parece mais alheado do que é normal, dá a ideia que não está ali e é essa sensação que vai passar à médica mal o vê entrar. Cumprimenta-o e ele responde como sempre com o seu sorriso aberto e meigo, mas mal iniciam a conversa ele cala-se com um ar perturbado e de lágrimas a aflorarem os olhos escuros. A médica inclina-se para ele e repete a questão; Que tem ele, porquê a tristeza que o seu rosto não consegue esconder, que se passa?
Francisco responde com um soluço forte e magoado. Quase não percebeu o que ela lhe disse, e pede para ela repetir. A médica temendo o pior ensaia uma frase simples quase em cima do rosto do pequeno e depois a mesma coisa mais longe, o resultado é inequívoco Cisco piorou da audição. Sempre tivera dificuldades auditivas e fora operado em bebé, porque os sons chegavam ao seu pequenino cérebro distorcidos e entrecortados, mas agora a perca auditiva era bem mais significativa….
A sala aplaude-o de pé, na primeira fila o rosto corado e sorridente da mulher dava-lhe a certeza que havia valido a pena e numa retrospectiva rápida, em fracções de segundo, voltava aquele dia no consultório em que soubera que a surdez seria a sua companheira para o resto da vida. Daí em diante tudo fora diferente, tivera uma ânsia imensa, incontrolada de aprender tudo, ouvir tudo, guardar na sua memória todos os sons, desde os mais belos aos mais horrorosos, dos mais doces aos mais traumatizantes, para um dia, quando os seus ouvidos cessassem as funções de vez a sua memória conseguisse reproduzir pelo som magnifico e único do seu talento na flauta, o mundo vivo que conhecera. Percorrera o mundo, aprendera a linguagem dos surdos-mudos, mas pouco uso fazia dela, porque lia correctamente os lábios e como aprendera a falar, escrever e ler, conseguia falar sem problemas. Aprendera a colocar a voz para não gritar, e jamais descurara essas aulas que o acompanhariam para todo o sempre, bem como a dicção. Durante mais de trinta anos sofrera e lutara para se manter no mundo dos sons e ao seu lado tinha, havia quinze, aquele sorriso delicioso que o brindava da primeira fila.
Nessa tarde antes do espectáculo soubera que a paternidade lhe tocara à porta e a música que da sua flauta se elevou foi um hino de louvor à vida, à perseverança e ao amor.
9 comentários:
Olá
Adorei a poesia "O Canto do Cisne"...vou até salvar aqui...foi você que fez né???...parabéns...
Até mais!!!
http://mayralefey.weblogger.terra.com.br
Um hino há vida... Ou um hino de vida?
Lágrimas não de tristeza, mas de admiração, espreitaram nos meus olhos... ao ler sobre o Francisco.
beijo pelo conto delicioso.
Sonhos de lua cheia em leito de maresia.
Beijinhos embrulhados em abraços
sonhos de amor na magia da noite.
Beijinhos embrulhados em abraços.
Luar:
Fiquei encantada!
Colocastes em frases
emoções e sentimentos
profundos...
Me apaixonei
por esta linda história.
Um abraço carinhoso.*Juli*
Canto porque o amor apetece e nem sempre acontece.
Beijinhos embrulhados em abraços.
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◢■■■╭~~*╮((((( ■■■◣
◥■■■/( '-' ) (' .' ■■■◤
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◥■BOM DIA!!!■◤
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Bom fim de semana.Bjossss!
Deixa-me sonhar!
Beijinhos embrulhados em abraços
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