...Ao depor a rapariga no sofá, sente que uns braços desolados se lhe prendem ao pescoço e a cabeça descai-lhe para o ombro, o rosto escondido pelos cabelos em desalinho e os soluços que não abrandam, o corpo magro que se aninha de encontro ao seu, como que a pedir protecção. Desarmado e tocado profundamente como há muito não se sentia, acaba por se sentar no sofá com ela ao colo embalando-a como a uma criança pequena, enquanto sem saber muito bem como lhe fala baixo ao ouvido e acaricia a cabeça, procura o rosto molhado e transfigurado pela dor, pelo falhanço e pelo desespero e beija suavemente os olhos de onde rios de sal correm, tentando com meiguice estancar as lágrimas. O que obtém é um abraço mais forte, e a cabeça completamente encostada no seu pescoço por onde sente escorrer brandamente as gotas salgadas daqueles olhos que pedem socorro sem que ele saiba bem como lhes acudir. Alberto entra devagar para anunciar que o jantar, mais ceia dado o adiantado da hora, está servido, mas ao deparar-se com o espectáculo faz menção de sair sem ser notado, no que falha redondamente, Armando pede-lhe baixo que vá buscar a refeição e a leve para o quarto porque vai tentar leva-la para cima e fazer com que coma e durma.
Ordens cumpridas e sobem os três a escadaria, Armando com o seu precioso fardo no braços, Diana meio adormecida, e Alberto de tabuleiro nas mãos.
Deita-la foi obra de segundos, mas faze-la engolir algo já não foi tarefa tão simples. Acabam por conseguir que coma uma sopa bem quente e depois deixam-na dormir. Armando por precaução havia mandado arranjar o quarto ao lado do seu e deixa a porta entreaberta dos dois quartos, O seu sono é leve e não será difícil despertar se a rapariga se levantar ou chamar durante a noite, algo lhe diz que a noite vai ser longa e nada fácil. Alberto desce com ele para jantarem e comentam o estranho acontecimento, que motivos terá para se lançar pelo espaço como pretendia? Que segredo se esconde naquela alma transtornada e aflita, perdida e sem rumo?
No escuro do quarto desconhecido, aconchegada no calor dos lençóis Diana não concilia o sono, a sua cabeça rodopia como um caleidoscópio louco, girando, girando, girando sempre sem parar….A saída da consulta médica em que o diagnóstico não deixava margem para duvidas, e a recepção em casa, as portas fechadas dos supostos amigos, e o peso da desilusão, da vida sem sentido e sem, mais rumo algum. Agora ali, tudo passava como se de um filme se tratasse, aquele dia decorria diante dos seus olhos, como se fosse externo a si. Não, aquela não era ela! Aquela não era a mulher determinada e segura que sempre seguira em frente ponderando mas decidindo. Não aquele farrapo que descia as escadas do consultório não era ela! Era a protagonista de uma película de fraca qualidade, e sem gosto algum! Mas, bem no fundo da sua alma a voz gritava-lhe sem cessar; - “Acorda mulher! Essa és mesmo tu daqui em diante, não escondas a verdade nua e crua de ti mesma. Essa és tu, sim!”
Senta-se na cama e olha em redor, apenas vislumbra os contornos dos móveis, o odor de quarto que não é usado há algum tempo, um leve cheiro de flores secas nas quais ainda permanece um ténue perfume. Levanta-se, descalça e estonteada, às apalpadelas caminha para não tropeçar em nada e acordar a casa toda, segue o raiozinho de luz que pela porta se escoa e vem até ao corredor ficando a oscilar na balaustrada, a escada abre-se aos seus pés, mas ao por o pé nu no primeiro degrau uma vertigem apaga-lhe momentaneamente os sentidos e sente-se cair no vazio.
Acorda minutos mais tarde de novo na cama, com um rosto entre o zangado e o expectante sobre o seu. Armando ouvira os passos e viera atrás dela amparando-a de novo na queda.
-“Porque insiste em ser teimosa Diana? Ainda não percebeu que o seu estado embora sem ser grave requer repouso? Vamos passar a noite a tentar evitar que se magoe mais ou aconteça algo de mais grave? Amanhã, quando estiver mais calma e repousada tratamos de falar e tomar medidas, mas hoje só a quero na cama sossegada e a dormir, para repousar e recuperar alguma paz. Pode ser? Peço muito?” – Diz Armando em tom firme entre o zangado e o meigo. Só um acenar negativamente lhe reponde e, obedientemente a moça deita-se adormecendo quase de imediato, não sem antes ter sentido um leve beijo no cabelos que deixou ambos intrigados, ele porque o fez impulsivamente, ela porque apanhada de surpresa, mas mais, porque aquele beijo a encheu de paz e confiança.
A manhã nascia límpida após a tempestade da véspera apenas o ar estava mais frio. Alberto preparara o pequeno-almoço e aguardava por ordens para o servir onde fosse preciso. Armando desceu como habitualmente, fresco e revigorado, havia passado pelo quarto da sua inesperada hospede e encontrara-a a dormir profundamente, no rosto uma expressão de paz e uma beleza que o cativara, o cabelo espalhado pela almofada, a correcção dos traços agora relaxados e calmos, os lábios rosados e entreabertos numa respiração suave, e uma das mãos abandonada docemente sobre a colcha. Para ali fiou uns minutos deixando-se invadir por uma série de sentimentos que nem ele sabia definir muito bem, apenas o cativava aquela presença desamparada e o enigma que a envolvia. Acordou dos seus devaneios a um leve movimento da rapariga, e apressou-se a descer. Tomou o pequeno-almoço na cozinha na companhia do fiel criado, coisa há uns tempos vinha sendo hábito. Mal haviam terminado a refeição ouvem um breve, bom dia, peço desculpa, que levantou os dois das cadeiras como se tivessem sido picados por uma centena de abelhas. Diana, ali estava, pálida é certo, mas composta, repousada e serena. Alberto tratou de arranjar o tabuleiro para levar para a sala, mas a rapariga afirmou que a cozinha, quente e aconchegante como estava era um lugar perfeito para comer, de longe preferia estar ali do que na frieza e austeridade da sala. E sentando-se desarmou os dois homens, que a olhavam atordoados. Alberto serviu-a de café acabado de fazer e de pão quente e fresco, a manteiga e o doce, o queijo e a fruta estavam ao alcance das mãos esguias e ainda inseguras. Armando deixou-a comer mas após a refeição fez questão de a ouvir, encaminhou-a para o salão onde estivera na noite anterior e delicadamente foi tentando saber o que se passara. Não contara porém com a dor que na alma dela ia e no desalento profundo que a assolava, e assim, após algum tempo em que ela fugia ás questões e ela a encurralava, Diana pediu delicadamente desculpa e acrescentou; -“ Armando, permita-me que o trate assim até porque nem sei o seu apelido, não tenho palavras para lhe agradecer o seu gesto, a delicadeza com que fui recebida na sua casa a atenção que me dispensaram, e tudo o que por mim fizeram. Um ser humano tem por “obrigação” salvar outro quando o vê em situação de perigo, mas peço-lhe que esqueça esta noite, não me conhece, jamais me viu e não verá nunca mais. Nunca deveria ter impedido o carro de se despenhar e com ele eu, posso parecer-lhe….Tudo o que quiser pensar de mim, pouco me importa. Apenas sei que de uma forma ou de outra nestes derradeiros momentos levo comigo o verdadeiro significado do, vai-me perdoar, “amor”, sim…Por favor não faça essa cara, falo de um amor desinteressado, o amor como eu o entendo, sem esperar nada em troca. O Armando deu-me hipótese de voltar a acreditar que é possível estar-se e ser-se para alguém, inclusive que se desconhece, ensinou-me a voltar a acreditar no ser humano, e é por essa lição que lhe agradeço do fundo do coração. Parto mas vou com uma paz que pensei perdida. Obrigada por tudo.” – E levantando-se deu por terminada a conversa. Armando por sua vez seguia a evolução da conversa cada vez mais determinado a não perder aquela mulher, que por alguma razão desconhecida o cativava, lhe devolvia o calor ao coração, tão frio desde a morte de Helena. De um salto levantou-se e envolveu-a nos braços com efusão. Apanhada de surpresa, debate-se empurrando com força o peito dele, mas sentindo-se cada vez mais apertada naqueles braços quentes e possantes acaba por deixar de se debater imobilizando-se ao contacto doce dos lábios de Armando sobre os seus. O beijo emudeceu a sala, apagou o mundo, parou os corações. Diana entreabriu os olhos e apenas foi capaz de murmurar; - “Porque o fizeste?” – – “Porque não te quero perder, muito menos que saias daqui pronta para me matares ao terminares com a tua vida.” – Foi única resposta que se ouviu na imensidão do salão.
Lá fora uma suave brisa com eflúvios do mar beijou docemente o jardim já vestido de Outono, e o marulhar das bravias águas chegou até eles, cada um ouvindo-o de maneira diferente, o que os levou enlaçados até à beira da fatídica falésia.
Diana olhou para a pequena baia enquanto Armando a olhava a ela admirando o perfil bem desenhado. Com o mar por testemunha um novo e demorado beijo selou o pacto de uma nova vida.
Ordens cumpridas e sobem os três a escadaria, Armando com o seu precioso fardo no braços, Diana meio adormecida, e Alberto de tabuleiro nas mãos.
Deita-la foi obra de segundos, mas faze-la engolir algo já não foi tarefa tão simples. Acabam por conseguir que coma uma sopa bem quente e depois deixam-na dormir. Armando por precaução havia mandado arranjar o quarto ao lado do seu e deixa a porta entreaberta dos dois quartos, O seu sono é leve e não será difícil despertar se a rapariga se levantar ou chamar durante a noite, algo lhe diz que a noite vai ser longa e nada fácil. Alberto desce com ele para jantarem e comentam o estranho acontecimento, que motivos terá para se lançar pelo espaço como pretendia? Que segredo se esconde naquela alma transtornada e aflita, perdida e sem rumo?
No escuro do quarto desconhecido, aconchegada no calor dos lençóis Diana não concilia o sono, a sua cabeça rodopia como um caleidoscópio louco, girando, girando, girando sempre sem parar….A saída da consulta médica em que o diagnóstico não deixava margem para duvidas, e a recepção em casa, as portas fechadas dos supostos amigos, e o peso da desilusão, da vida sem sentido e sem, mais rumo algum. Agora ali, tudo passava como se de um filme se tratasse, aquele dia decorria diante dos seus olhos, como se fosse externo a si. Não, aquela não era ela! Aquela não era a mulher determinada e segura que sempre seguira em frente ponderando mas decidindo. Não aquele farrapo que descia as escadas do consultório não era ela! Era a protagonista de uma película de fraca qualidade, e sem gosto algum! Mas, bem no fundo da sua alma a voz gritava-lhe sem cessar; - “Acorda mulher! Essa és mesmo tu daqui em diante, não escondas a verdade nua e crua de ti mesma. Essa és tu, sim!”
Senta-se na cama e olha em redor, apenas vislumbra os contornos dos móveis, o odor de quarto que não é usado há algum tempo, um leve cheiro de flores secas nas quais ainda permanece um ténue perfume. Levanta-se, descalça e estonteada, às apalpadelas caminha para não tropeçar em nada e acordar a casa toda, segue o raiozinho de luz que pela porta se escoa e vem até ao corredor ficando a oscilar na balaustrada, a escada abre-se aos seus pés, mas ao por o pé nu no primeiro degrau uma vertigem apaga-lhe momentaneamente os sentidos e sente-se cair no vazio.
Acorda minutos mais tarde de novo na cama, com um rosto entre o zangado e o expectante sobre o seu. Armando ouvira os passos e viera atrás dela amparando-a de novo na queda.
-“Porque insiste em ser teimosa Diana? Ainda não percebeu que o seu estado embora sem ser grave requer repouso? Vamos passar a noite a tentar evitar que se magoe mais ou aconteça algo de mais grave? Amanhã, quando estiver mais calma e repousada tratamos de falar e tomar medidas, mas hoje só a quero na cama sossegada e a dormir, para repousar e recuperar alguma paz. Pode ser? Peço muito?” – Diz Armando em tom firme entre o zangado e o meigo. Só um acenar negativamente lhe reponde e, obedientemente a moça deita-se adormecendo quase de imediato, não sem antes ter sentido um leve beijo no cabelos que deixou ambos intrigados, ele porque o fez impulsivamente, ela porque apanhada de surpresa, mas mais, porque aquele beijo a encheu de paz e confiança.
A manhã nascia límpida após a tempestade da véspera apenas o ar estava mais frio. Alberto preparara o pequeno-almoço e aguardava por ordens para o servir onde fosse preciso. Armando desceu como habitualmente, fresco e revigorado, havia passado pelo quarto da sua inesperada hospede e encontrara-a a dormir profundamente, no rosto uma expressão de paz e uma beleza que o cativara, o cabelo espalhado pela almofada, a correcção dos traços agora relaxados e calmos, os lábios rosados e entreabertos numa respiração suave, e uma das mãos abandonada docemente sobre a colcha. Para ali fiou uns minutos deixando-se invadir por uma série de sentimentos que nem ele sabia definir muito bem, apenas o cativava aquela presença desamparada e o enigma que a envolvia. Acordou dos seus devaneios a um leve movimento da rapariga, e apressou-se a descer. Tomou o pequeno-almoço na cozinha na companhia do fiel criado, coisa há uns tempos vinha sendo hábito. Mal haviam terminado a refeição ouvem um breve, bom dia, peço desculpa, que levantou os dois das cadeiras como se tivessem sido picados por uma centena de abelhas. Diana, ali estava, pálida é certo, mas composta, repousada e serena. Alberto tratou de arranjar o tabuleiro para levar para a sala, mas a rapariga afirmou que a cozinha, quente e aconchegante como estava era um lugar perfeito para comer, de longe preferia estar ali do que na frieza e austeridade da sala. E sentando-se desarmou os dois homens, que a olhavam atordoados. Alberto serviu-a de café acabado de fazer e de pão quente e fresco, a manteiga e o doce, o queijo e a fruta estavam ao alcance das mãos esguias e ainda inseguras. Armando deixou-a comer mas após a refeição fez questão de a ouvir, encaminhou-a para o salão onde estivera na noite anterior e delicadamente foi tentando saber o que se passara. Não contara porém com a dor que na alma dela ia e no desalento profundo que a assolava, e assim, após algum tempo em que ela fugia ás questões e ela a encurralava, Diana pediu delicadamente desculpa e acrescentou; -“ Armando, permita-me que o trate assim até porque nem sei o seu apelido, não tenho palavras para lhe agradecer o seu gesto, a delicadeza com que fui recebida na sua casa a atenção que me dispensaram, e tudo o que por mim fizeram. Um ser humano tem por “obrigação” salvar outro quando o vê em situação de perigo, mas peço-lhe que esqueça esta noite, não me conhece, jamais me viu e não verá nunca mais. Nunca deveria ter impedido o carro de se despenhar e com ele eu, posso parecer-lhe….Tudo o que quiser pensar de mim, pouco me importa. Apenas sei que de uma forma ou de outra nestes derradeiros momentos levo comigo o verdadeiro significado do, vai-me perdoar, “amor”, sim…Por favor não faça essa cara, falo de um amor desinteressado, o amor como eu o entendo, sem esperar nada em troca. O Armando deu-me hipótese de voltar a acreditar que é possível estar-se e ser-se para alguém, inclusive que se desconhece, ensinou-me a voltar a acreditar no ser humano, e é por essa lição que lhe agradeço do fundo do coração. Parto mas vou com uma paz que pensei perdida. Obrigada por tudo.” – E levantando-se deu por terminada a conversa. Armando por sua vez seguia a evolução da conversa cada vez mais determinado a não perder aquela mulher, que por alguma razão desconhecida o cativava, lhe devolvia o calor ao coração, tão frio desde a morte de Helena. De um salto levantou-se e envolveu-a nos braços com efusão. Apanhada de surpresa, debate-se empurrando com força o peito dele, mas sentindo-se cada vez mais apertada naqueles braços quentes e possantes acaba por deixar de se debater imobilizando-se ao contacto doce dos lábios de Armando sobre os seus. O beijo emudeceu a sala, apagou o mundo, parou os corações. Diana entreabriu os olhos e apenas foi capaz de murmurar; - “Porque o fizeste?” – – “Porque não te quero perder, muito menos que saias daqui pronta para me matares ao terminares com a tua vida.” – Foi única resposta que se ouviu na imensidão do salão.
Lá fora uma suave brisa com eflúvios do mar beijou docemente o jardim já vestido de Outono, e o marulhar das bravias águas chegou até eles, cada um ouvindo-o de maneira diferente, o que os levou enlaçados até à beira da fatídica falésia.
Diana olhou para a pequena baia enquanto Armando a olhava a ela admirando o perfil bem desenhado. Com o mar por testemunha um novo e demorado beijo selou o pacto de uma nova vida.
3 comentários:
Olá amiga, Lindo o texto.
Adorei a IV parte.
Beijinhos,
Fernandinha
Excelente. Adoro os teus contos minha amiga, são absorventes e muito bem escritos. Neles consigo descobrir a sensibilidade e delicadeza da autora. Por els fiquei a conhecer a mulher linda que tu és. Um beijo grande.
A propósito, gostaria de receber o teu final da minha história. Aceitas?
Gostei do final...
Ficou a lágrima no canto do olho com o desenvolvimento do enredo.
Escreves deliciosamente.
Beijo-te à distância
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